Em 2014, em meio a denúncias, prisões e condenações de políticos e empresários, foram realizadas as eleições para presidente. No segundo turno, disputaram a candidata à reeleição, Dilma Roussef, e Aécio Neves (candidato da oposição). Dilma foi reeleita com três pontos percentuais de diferença de votos (51,6% contra 48,3%). Mas o que mais chamou a atenção, no entanto, depois da crise de representatividade política com os escândalos do Mensalão e do Petrolão, foi o quanto os números revelaram da desesperança do povo com a política — 1.921.819 (1,7%) eleitores votaram em branco; 5.219.787 votaram nulo (4,6%) e 30.137.479 se abstiveram de votar (21,1%). Se o voto não fosse obrigatório, certamente o descaso do povo com as eleições apareceria de forma bem mais gritante. Quase 30% da população não votou ou votou branco/nulo.
No ano de 2015, o país entra em um estado de letargia total. A crise existe, e a solução para a crise, no entanto, passa por um projeto de união de opostos. Mas essa união interessa a quem? A oposição, ao trabalhar soluções para a crise, fortalece o governo. O governo, se sai da crise fortalecido, permanece no poder. A encruzilhada em que os brasileiros se encontram no final de 2015, pois está em jogo uma disputa pelo poder, é das piores já vistas. O país, o povo, que país? Que povo? O panorama político do ano de 2015 — um ano perdido — é o retrato perfeito de como no Brasil vigora um patrimonialismo na política e temos um estamento no poder. A disputa entre dois partidos paralisando o país e punindo severamente seu povo.
O povo, vivendo uma situação funcional problemática, sem educação e cultura dignas que possam lhe assegurar a capacidade de compreender e mudar os rumos do Brasil, é refém dessa situação e vai soçobrando nas mãos de uma elite política e econômica, cujo único norte é o enriquecimento individual num capitalismo selvagem e predatório. O mesmo capitalismo de sempre, aliás, aquele que havia desembarcado aqui em 1500, no processo de expansão comercial e marítima.
Entre o que somos como nação e o que queremos ser, existe um abismo. Para se chegar até lá é preciso que sejam construídas algumas pontes — com alicerces sólidos —, que podem ser traduzidas como projeto de nação. Sem esse projeto, o país e seu povo vão permanecer divididos entre duas realidades perversamente distantes. Somos, enquanto nação, uma espécie de ornitorrinco social cujo habitat se localiza em algum lugar entre o Principado de Mônaco e o Haiti.
Vivendo à beira desse abismo, até quando ignoraremos que ele não é, no entanto, obra da natureza?