Entre os anos 2009 e 2014, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) manteve um programa, o PSI (Programa de Sustentação de Investimentos), voltado para conceder empréstimos a grandes empresas brasileiras e multinacionais, que movimentou o montante de R$ 362 bilhões. Entre as empresas que tomaram esses empréstimos estão a Fiat-Chrysler, com R$ 3 bilhões e juros de 4,7% ao ano; o grupo Vale, com R$ 3 bilhões e juros de 4,2% ao ano; a Renault, com R$ 1,5 bilhão e juros de 5,1% ao ano; a Ford, com R$ 1,2 bilhão e juros de 4% ao ano; a TIM, com R$ 1 bilhão e juros de 3,5% ao ano (só para citar as da casa do bilhão).
Em qualquer país, o governo concede empréstimos subsidiados ao setor privado com o intuito de aquecer a economia. Fato é que, no Brasil, qualquer brasileiro que queira ou precise de um aporte financeiro tem que recorrer ao cheque especial ou ao cartão de crédito, cujos juros bateram, em média (2015), a casa dos 290% e 430% ao ano, respectivamente, e acaba entrando numa dívida impagável. Ou seja, facilidades de condições para os grandes empresários, de um lado, e, de outro, uma sucessão de obstáculos impostos ao povo, que, tendo no cheque especial e no cartão de crédito suas formas mais acessíveis de aporte financeiro, torna-se refém de um sistema bancário predatório. Não por acaso, nesse mesmo período, 2009-2014, registram-se recordes históricos no lucro dos bancos. Em 2014, os cinco maiores bancos do país levaram juntos quase R$ 60 bilhões. Em 2015, foram R$ 68 bilhões, aproximadamente.
Com os empréstimos do BNDES, o governo transforma questões — ou crises — setoriais e particulares em questão nacional. Como na época da República do Café com Leite, quando, como vimos, mecanismos de proteção socializavam as perdas da oligarquia cafeeira. Tudo em detrimento da grande questão nacional que é o povo, pois esses mesmos R$ 362 bilhões resolveriam problemas que se arrastam há séculos no Brasil, como a questão sanitária, da infraestrutura, da educação e da saúde. Ou seja, questão de prioridades, ou da falta delas.
Com essa disparidade de oportunidades, vivemos, sem dúvida, num mundo hobbesiano, onde os mais fortes — aqueles que podem bajular os detentores do poder com doações generosas em campanhas eleitorais — se sobressaem dos mais fracos. Segundo a tese de Hobbes, quando o desejo de alguns se sobrepõe ao desejo da maioria, vivemos em um estado de natureza, numa luta de todos contra todos. O Estado tem por objetivo estabelecer um estado democrático de direito em que se possa construir um projeto de nação que seja a síntese ou a convergência do desejo de todos. No Estado patrimonialista brasileiro, o homem é o lobo do homem.
A disparidade de tratamento do Estado para com seu povo e para com os membros do seu estamento rompe com o pacto social, cujas cláusulas, segundo Rousseau, se reduzem a uma única, a saber: “A alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade. Porque cada qual, se entregando por completo e sendo a condição igual para todos, a ninguém interessa torná-la onerosa para os outros.”