De sociólogo marxista a presidente que estabilizou o Brasil: a trajetória de um dos mais influentes líderes da história contemporânea do país
Fernando Henrique Cardoso, mais conhecido como FHC, é uma das figuras mais complexas e fascinantes da política brasileira do século XX e início do XXI. Sociólogo de renome internacional, exilado político, senador, ministro da Fazenda e presidente da República por dois mandatos consecutos (1995–2002), ele transitou do pensamento de esquerda para a implementação de um projeto neoliberal que mudou para sempre o rumo econômico e social do Brasil. Neste artigo aprofundado, vamos percorrer toda a sua vida, ideias, conquistas e controvérsias — sempre com o rigor histórico que você já conhece no Canal Fez História.
Origens e Formação Intelectual
Nascido em 18 de junho de 1931 no Rio de Janeiro, Fernando Henrique veio de uma família de militares e intelectuais. Seu pai, Leônidas Cardoso, foi general do Exército e deputado federal. Desde cedo, FHC conviveu com debates políticos intensos em casa.
Na década de 1950, ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, onde se formou em Sociologia. Tornou-se discípulo de Florestan Fernandes e integrou o célebre “grupo do Capital” — jovens intelectuais que traduziram e discutiram O Capital de Karl Marx no Brasil. Junto com nomes como Octavio Ianni e José Arthur Giannotti, FHC ajudou a fundar o que viria a ser a mais importante escola sociológica brasileira do período.
Em 1968, com o AI-5, foi cassado e exilado. Viveu no Chile, na França e nos Estados Unidos, lecionando em universidades como Stanford e Paris-Nanterre. Foi nesse período que escreveu, com Enzo Faletto, a obra-prima Dependência e Desenvolvimento na América Latina (1969) — leitura obrigatória para entender a teoria da dependência, que influenciou gerações de cientistas sociais na América Latina e na África.
“O subdesenvolvimento não é uma etapa necessária do desenvolvimento, mas uma condição específica criada pela expansão do capitalismo mundial.”
— Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto
Retorno ao Brasil e Entrada na Política
Com a anistia de 1979, voltou ao país. Fundou o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e, surpreendentemente para muitos dos seus antigos companheiros de esquerda, filiou-se ao MDB (depois PMDB) em 1978. Foi suplente de Franco Montoro no Senado em 1978 e assumiu a titularidade em 1983.
Em 1986 elegeu-se senador por São Paulo com votação recorde. Em 1988, participou ativamente da Assembleia Nacional Constituinte. Foi um dos articuladores da emenda que estabeleceu o mandato presidencial de cinco anos e defendeu o parlamentarismo — posição que abandonaria anos depois.
O Plano Real: A Grande Virada
Tudo mudou em 1992, quando Itamar Franco o convidou para o Ministério da Fazenda após a saída de Marcílio Marques Moreira. FHC montou uma equipe estelar: Pedro Malan, Gustavo Franco, Edmar Bacha, André Lara Resende, Pérsio Arida, Winston Fritsch, entre outros.
O Plano Real, lançado em 1994, foi a mais bem-sucedida política de estabilização inflacionária da história brasileira. Acabou com a hiperinflação que chegava a 2.477% ao ano em 1993. A criação da URV (Unidade Real de Valor) e a posterior moeda Real, lastreada numa âncora nominal rígida, mudaram a vida de milhões de brasileiros.
O sucesso do plano catapultou FHC à Presidência em 1994, derrotando Lula no 1.º turno com 54% dos votos — a maior votação já obtida por um candidato até então.
Os Dois Mandatos Presidenciais (1995–2002)
Primeiro Mandato (1995–1998)
- Reeleição: Emenda constitucional de 1997 permitiu a reeleição para cargos executivos.
- Privatizações: Telecomunicações, Vale do Rio Doce, setor elétrico, bancos estaduais. O programa rendeu cerca de US$ 87 bilhões.
- Lei de Responsabilidade Fiscal (2000): marco histórico do equilíbrio das contas públicas.
- Fim do monopólio estatal no petróleo (Lei 9.478/1997) e nas telecomunicações.
- Criação do Proer (rescate bancário) e do Provão (avaliação de cursos superiores).
Segundo Mandato (1999–2002)
- Crise cambial de 1999: maxidesvalorização do real após ataque especulativo.
- Adoção do tripé macroeconômico: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário.
- Criação do Bolsa Escola (embrião do Bolsa Família).
- Programa de privatização de rodovias e aprovação da Lei Geral de Telecomunicações.
- Acordo com o FMI em 2001–2002 para garantir estabilidade.
Apesar das críticas da esquerda (que o acusava de “entreguista”) e de parte da direita (que o considerava “estatizante demais”), FHC entregou o país em 2003 com inflação controlada, contas externas equilibradas e crescimento médio de 2,3% ao ano — baixo, mas estável depois de décadas de caos.
Principais Conquistas e Legado
- Estabilização monetária – O maior feito: acabou com a cultura da inflação.
- Modernização do Estado – Privatizações, abertura comercial, desburocratização.
- Reformas estruturais – Administrativa, previdenciária (fatores previdenciários), tributária parcial.
- Inserção internacional – Criação do Mercosul como bloco econômico relevante, cúpula da América do Sul (2000), liderança na OMC.
- Política externa altiva e ativa – Defesa da Amazônia, liderança na Rio-92 (Eco-92), relação pragmática com EUA e Europa.
Críticas e Controvérsias
- Desindustrialização precoce e aumento do desemprego nos anos 90.
- Venda da Vale por valor considerado baixo (polêmica que dura até hoje).
- Aumento da dívida pública (embora em proporção do PIB tenha caído).
- Acusações de favorecimento a bancos no Proer.
- Reeleição: suspeitas de compra de votos na emenda (grampos da BNDESPAR).
Pós-Presidência
Depois de deixar o Palácio do Planalto, FHC:
- Fundou o Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) em São Paulo.
- Tornou-se conferencista internacional e membro do Club de Madrid.
- Escreveu dezenas de livros e artigos.
- Em 2016, apoiou o impeachment de Dilma Rousseff — decisão que o afastou definitivamente do PT e de Lula.
- Em 2022, apoiou Lula no 2.º turno contra Bolsonaro, mostrando pragmatismo acima de ideologia.
Perguntas Frequentes
FHC foi neoliberal ou social-democrata?
Foi um pragmático. Aplicou políticas neoliberais (privatizações, abertura), mas manteve programas sociais e nunca rompeu com a ideia de Estado indutor do desenvolvimento.
O Plano Real foi ideia só dele?
Não. A equipe técnica (especialmente Pérsio Arida e Edmar Bacha) já trabalhava na ideia da URV desde o governo Sarney. FHC teve o mérito político de implementá-lo.
Por que ele rompeu com o PT?
A divergência começou já em 1994. Lula acusava FHC de “privatizar tudo”. O ápice foi o Mensalão (2005) e a percepção de que o PT havia abandonado a ética na política.
Ele se arrepende de alguma coisa?
Em entrevistas recentes, disse que faria as privatizações de novo, mas reconhece que faltou mais investimento em educação e infraestrutura.
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