Embora muito elogiado na época pelos maiores economistas do país, por colocar o dedo na ferida e enfrentar com realismo o problema da hiperinflação dos anos 1980, muitos criticavam o aspecto impositivo do Plano Collor. Dizia-se, na época, que havíamos passado do autoritarismo político para o autoritarismo econômico. Com as mudanças radicais que vinham ocorrendo no capitalismo, sobretudo na Europa, o surgimento do neoliberalismo era um outro tipo de cenário que as elites brasileiras esperavam para o Brasil naquele período inicial de redemocratização do país.
O governo de Itamar Franco, pode-se dizer, foi a fase de transição entre o modelo original de Collor e o neoliberal, que seria implantado a partir de 1994 com o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). O grande dilema das elites, ao depor Fernando Collor, no entanto, era com as eleições de 1994. O grande medo era que, com a frustração do povo com Collor, Lula — que havia perdido as eleições no segundo turno em 1989 por uma pequena margem de votos (cerca de 4 milhões ou 53,03% contra 46,97%) — pudesse voltar fortalecido e assustar as elites com o fantasma do socialismo. O Plano Real — implantado em fevereiro de 1994, poucos meses antes das eleições — obteve êxito imediato no controle da inflação e na estruturação da economia do país. Foi o “salvador da pátria” no sentido econômico e político. Não por acaso, Fernando Henrique Cardoso — ministro da Fazenda que havia implantado o Plano Real — foi eleito presidente da República em primeiro turno nas eleições de 3 de outubro de 1994.
A partir dos anos 1990, começa a ocorrer no Brasil um processo que, na Europa, já acontecia desde o final dos anos 1970, que era a ascensão do chamado neoliberalismo. Durante o período compreendido entre o final da Segunda Guerra Mundial e o final dos anos 1970, o mundo vivia sob o aspecto do keynesianismo, ou seja, da intervenção do Estado na economia para promover o estado de bem-estar social, que envolvia desde manter direitos sociais e pleno trabalho, de um lado, e condições econômicas para a manutenção da produção e do comércio, de outro. A partir dos anos 1970, com a sociedade plenamente recuperada do desastre da guerra, o Estado passa a se retirar da intervenção direta na economia, nos negócios, e vai deixar que a sociedade comande novamente os rumos da economia. O neoliberalismo é a teoria do Estado mínimo e a transferência de setores (em que o Estado monopolizava) para a iniciativa privada.
Desde a Proclamação da República, como vimos, existe uma relação direta entre governo e empresários. Os incentivos, os aportes, os subsídios do governo sempre foram primordiais para o desenvolvimento do país, da modernização, da diversificação da economia, da industrialização etc. Sem os amplos benefícios conce didos pelos governos — estaduais e federal —, muitos impérios e fortunas no Brasil não teriam se viabilizado. No Brasil impera o fisiologismo, o clientelismo, o estamento.
A abertura política, depois de quase 30 anos de ditadura militar, e a redemocratização do país abrem a possibilidade de novos arranjos, novos fisiologismos e possibilidades de mudanças no comando da política. Eram essas novas oportunidades, no bilionário universo do setor público — suas obras, serviços, concessões etc. —, que ansiava abocanhar uma nova elite que havia surgido nos anos 1980 e que não fazia parte daquela que aparelhara o Estado durante a ditadura militar. As eleições diretas em 1989 significaram uma grande porta que se abria para oportunidades de negócios. Collor, que deveria ser o agente dessa transformação, decepcionou. A passagem da ditadura militar para a democracia, do ponto de vista da elite do país, só se consumou com o governo de FHC e seu projeto de modernização do país, da economia seguindo os padrões internacionais do neoliberalismo e das instituições.