A partir das eleições de 2002 é possível acompanhar, por meio do site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do Transparência Brasil, a evolução extraordinária do volume de doações para candidatos e comitês e diretórios políticos ao longo do tempo, até as eleições de 2014. O quadro é o seguinte: somando todos os doadores — pessoas físicas e jurídicas — para todos os partidos, temos:
2002: R$ 792.546.932,00
2004: R$ 1.393.222.416,00
2006: R$ 1.729.042.149,00
2008: R$ 2.512.406.149,00
2010: R$ 3.666.605.190,00
2012: R$ 4.627.211.322,00
2014: R$ 4.815.705.789,00
A construtora Odebrecht doou, em 2002, um total de R$ 7.054.000,00. Já no ano de 2014, R$ 111.785.034,00. A construtora OAS doou, em 2002 e 2014, respectivamente, R$ 7.465.868,00 e R$ 187.475.922,00. A UTC Engenharia, R$ 1.041.000,00 e R$ 103.684.805,00 (idem). A Camargo Correia, R$ 1.887.000,00 e R$ 103.212.120,00 (2010). A JBS, R$ 103.000,00 e R$ 774.371.733,00 (2014). A construtora Queiroz Galvão, R$ 2.000,00 (2006) e R$ 147.526.096,00 (2014). O empresário Eike Batista doou, em 2006, R$ 4.380.000,00 e, em 2010, R$ 6.050.000,00.
O avanço colossal das doações entre os anos 2002 e 2014 é revelador. Deixa clara a forma como funciona a política no Brasil: empresas privadas investem pesado em candidatos que, se eleitos — claro —, não poderão se – furtar à obrigação de atender minimamente aos interesses das empresas patrocinadoras. Essas relações perigosas entre empresários, funcionários públicos e políticos — que na prática agem como agentes dessas empresas e lobistas infiltrados no poder — são retrato do avanço selvagem e predatório do aparelhamento do Estado brasileiro por parte do estamento e do patrimonialismo que regem a nossa política. Essa convergência de interesses particularistas, dos quais era para o Estado ser a antítese, deve representar o avesso e vai gerar o maior escândalo de corrupção da história do país.
Em finais de 2014, iniciaram-se as denúncias e as investigações de um dos maiores casos de corrupção da história nacional e na maior empresa do país — a Petrobras —, a única que havia restado das estatais que foram privatizadas. Não por acaso, porque nela continuou vigorando o antigo modelo de indicações políticas para os chamados cargos de confiança — um grupo de funcionários públicos, com cargos de alto escalão, políticos e empresários aparelharam a empresa e geriram seus negócios — públicos — como se fossem seus, particulares. Aqui se manifesta mais uma vez, na sociedade brasileira, o patrimonialismo e o estamento. Todas aquelas doações milionárias para campanhas de candidatos, na verdade, revertiam-se depois numa troca de favores com uma espécie de loteamento das milionárias licitações de obras que a maior empresa da América Latina e uma das maiores do mundo executava no Brasil e no exterior. Tornada explícita pela operação Lava-Jato — da Polícia Federal e do Ministério Público —, essa prática revelou ao país a que ponto havíamos chegado no descaso, no cinismo, no oportunismo e na falta de respeito com o povo brasileiro. Nenhum país civilizado do mundo toleraria uma discrepância e uma distância tão abissal entre a produção da riqueza (7a posição no mundo) e o nível de desenvolvimento humano (85a posição).
Nada justifica tal distância, a não ser o único projeto de nação no Brasil: aquele que mantém de forma sistemática e planejada todo um povo na ignorância, para que o estamento que se apodera do poder, de forma recorrente — eleição após eleição, independentemente de partido —, possa aparelhar o Estado para o usufruto exclusivo de seus beneficiários.