Vamos em frente, seguindo a ideia de que a nossa história é uma procissão de milagres. O milagre do ouro no século XVII, quando a economia açucareira tinha perdido dinamismo, o do café nos séculos XIX e XX, e agora “estamos percebendo que nossa industrialização não deixou de ser também um desses milagres: resultou, antes, de circunstâncias favoráveis, para as quais pouco concorremos, do que de uma ação deliberada da vontade coletiva”.
A modernização brasileira fora implantada da forma mais excludente possível. O desenvolvimento rápido de uma sociedade capitalista, industrial, urbana e de con sumo não se havia estendido ao alcance da maioria da população, pelo contrário, e, assim, “o Brasil, que já chocara as nações civilizadas ao manter a escravidão até o final do século XIX, volta a assombrar a consciência moderna ao exibir a sociedade mais desigual do mundo. Não é por acaso que o termo brazilianization vai se tornar sinônimo de capitalismo selvagem”.
O mito dos Anos Dourados, na década de 1950, no governo JK, aliás, em todo o período chamado de democrático (1945-1964), é desmitificado pelos censos do IBGE de 1940, 1950 e 1960, que revelam a verdadeira cara do Brasil; na Região Norte, dos 1.462.420 habitantes, 738.255 eram analfabetos; na Região Nordeste, dos 9.973.642 habitantes, 6.354.777 eram analfabetos; na Região Sudeste, dos 15.625.953 habitantes, 8.246.553 eram analfabetos; na Região Sul, dos 12.915.621 habitantes, 5.210.823 eram analfabetos; na Região Centro-Oeste, dos 1.258.679 habitantes, 745.082 eram analfabetos.
Nas duas maiores cidades do país, o quadro era o seguinte: em São Paulo, dos 7.180.316 habitantes, 2.857.761 eram analfabetos; no Rio de Janeiro, dos 1.847.857 habitantes, 885.969 eram analfabetos. Na década de 1940, das 9.098.791 unidades prediais e domiciliares no Brasil, 2.926.807 (32%) eram de alvenaria e 5.933.173 (65%), de madeira. A cara do Brasil, portanto, infelizmente, não era a arquitetura modernista de concreto armado de Oscar Niemeyer. A grandiosidade dos edifícios públicos e a moderna arquitetura a eles inerente contras tavam com a realidade nua e crua, em que a maioria das casas era de madeira, mesmo nas capitais. A modernização do país ficou restrita à classe média alta; o povo estava completamente fora, alijado do processo.
Dos 1.994.823 prédios urbanos — habitados por 9.385.674 pessoas —, apenas 939.791 tinham energia elé trica; apenas 790.786 tinham acesso a água encanada; 819.770 a instalação sanitária; apenas 122.718 de seus moradores tinham telefone; 398.738, rádio; e 50.317, automóvel.
Dos 6.256.735 prédios rurais — habitados por 28.517.420 pessoas —, apenas 131.953 tinham iluminação elétrica, apenas 67.269 tinham acesso a água encanada, apenas 169.922 tinham instalação sanitária e apenas 10.323 de seus moradores tinham telefone, 34.503, rádio e 9.679, automóvel.
A vida no Brasil, portanto, era extremamente precária, o país era predominantemente rural, atrasado e com pouquíssimo acesso aos bens de consumo e aos benefícios da modernidade. Comparado com Nova York, o abismo é gritante. Exemplo dos arranha-céus: o Chrysler Building (77 andares) foi finalizado em 1930, o Empire State Building (102 andares), em 1931, e o Rockefeller Center (72 andares) foi inaugurado em 1940.