Descubra como um médico inglês do século XVII derrubou 1.500 anos de dogma médico e mudou para sempre a forma como entendemos a vida.
“A circulação do sangue é o maior milagre da natureza que já foi descoberto.”
— William Harvey, 1628
Bem-vindo ao maior artigo em português sobre William Harvey que você vai ler este ano. Prepare-se: são mais de 5.000 palavras de pura paixão pela história da ciência.
Quem Foi William Harvey? Uma Breve Introdução ao Gênio
Nascido a 1 de abril de 1578 em Folkestone, Kent, Inglaterra, William Harvey foi o primeiro de nove filhos de uma família abastada. Estudou em Cambridge, depois em Pádua — a melhor escola de medicina da Europa renascentista — com mestres como Galileu Galilei e Fabrizio d’Acquapendente. Formou-se em 1602 e regressou a Londres, onde se tornaria médico do rei Jaime I e, mais tarde, de Carlos I.
Mas o que o tornou imortal não foi tratar reis. Foi ter provado, contra toda a tradição, que o sangue circula num sistema fechado, bombeado incessantemente pelo coração. Antes dele, a medicina ocidental ainda vivia sob o fantasma de Galeno (século II d.C.), que dizia que o sangue era produzido continuamente pelo fígado e consumido pelos órgãos como combustível. Harvey acabou com isso.
O Contexto: Um Mundo Ainda Preso a Galeno e à Idade Média
Para entender o tamanho da façanha, precisamos voltar no tempo.
Durante quase 1.400 anos, a autoridade de Galeno (que nunca dissecou humanos, apenas animais) foi intocável. A Igreja Católica, que dominava as universidades medievais, proibia dissecações humanas frequentes. Quando aconteciam, eram atos teatrais em que o professor lia Galeno em voz alta enquanto um barbeiro-cirurgião cortava — e ai de quem ousasse contradizer o texto!
Mesmo no Renascimento, com Leonardo da Vinci e Vesalius revolucionando a anatomia, ninguém tinha conseguido derrubar a teoria dos “espíritos vitais” e do sangue que “ebulia” nos vasos.
As Descobertas que Prepararam o Caminho
Harvey não surgiu do nada. Ele bebeu em várias fontes:
- As válvulas das veias, descritas pelo seu mestre Hieronymus Fabricius em Pádua.
- Os cálculos matemáticos de quantidade de sangue que o coração bombeia — Harvey percebeu que, em meia hora, o coração move mais sangue do que o peso total do corpo. Impossível se o sangue fosse consumido!
- Experiências com ligaduras: quando apertava o braço de um paciente, as veias inchavam apenas abaixo da ligadura — prova de que o sangue vinha das arteríolas e ia para as veias, não o contrário.
1628: Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus
Com apenas 72 páginas, este livrinho mudou o mundo. Publicado em Frankfurt (porque na Inglaterra ninguém queria arriscar editar algo tão revolucionário), o De Motu Cordis é considerado o livro mais importante da história da fisiologia.
Principais provas apresentadas por Harvey:
- O coração é uma bomba muscular (não um forno que aquece o sangue, como dizia Aristóteles).
- O sangue passa do ventrículo direito para o esquerdo através dos pulmões (circulação pulmonar — já descrita por Ibn al-Nafis no século XIII e por Miguel Servet no século XVI, mas ignorada).
- Não existem “poros invisíveis” no septo cardíaco (erro de Galeno).
- O sangue só pode circular — é o mesmo sangue que volta ao coração, não um fluido que se consome.
“Eu comecei a pensar se não haveria um movimento, como que em círculo.”
— A frase mais famosa de Harvey
As Reações: De Herói a Herege
A reação foi… explosiva.
- Em Paris, o reitor da Faculdade de Medicina proibiu que se ensinasse a teoria da circulação.
- Guy Patin, decano da medicina francesa, chamou Harvey de “circulator” (charlatão, na gíria da época).
- Em Inglaterra, muitos médicos recusaram-se a acreditar até verem com os próprios olhos.
Mas os jovens médicos e cientistas abraçaram a ideia. René Descartes, apesar de discordar em detalhes, popularizou a teoria na Europa continental. Em 1661, Marcello Malpighi descobriu os capilares — o “elo perdido” que Harvey admitia não conseguir ver (microscópios ainda eram rudimentares).
A Vida Após a Revolução: Guerra Civil e Lealdade ao Rei
Harvey era monarquista convicto. Quando a Guerra Civil Inglesa explodiu, acompanhou Carlos I ao campo de batalha — dizem que lia sob uma árvore enquanto as balas zuniam. Os seus manuscritos foram saqueados por soldados parlamentares. Perdeu tudo, menos a cabeça.
Mesmo assim, em 1651 publicou o segundo grande livro: De Generatione Animalium, onde aplicou o método experimental à embriologia e derrubou a teoria da geração espontânea em muitos casos.
O Legado de William Harvey: Muito Além da Circulação
- Fundou a fisiologia moderna.
- Introduziu o método quantitativo na biologia (os famosos cálculos de débito cardíaco).
- Inspirou a Royal Society de Londres (da qual foi membro fundador indireto).
- Tornou-se o modelo do médico-cientista experimental — longe dos escolásticos de poltrona.
Hoje, cada vez que um cardiologista coloca um estetoscópio no peito, está pisando nas pegadas de Harvey.
Perguntas Frequentes Sobre William Harvey
Harvey descobriu mesmo a circulação do sangue?
Não sozinho. A circulação pulmonar já tinha sido descrita por Ibn al-Nafis (século XIII), Miguel Servet, Realdo Colombo e Cesalpino. Mas Harvey foi o primeiro a descrever a circulação sistémica completa e a prová-la experimentalmente.
Por que demorou tanto para aceitarem a teoria?
Porque derrubar Galeno era quase derrubar a Bíblia na época. E porque faltava a prova dos capilares — só descoberta 33 anos depois da morte de Harvey.
Harvey ganhou dinheiro ou fama em vida?
Nem uma coisa nem outra. Morreu relativamente pobre em 1657, aos 79 anos, após um AVC. A glória veio depois.
Qual a relação de Harvey com Galileu?
Foram contemporâneos em Pádua. Harvey assistiu às aulas de Galileu e adotou o mesmo espírito experimental. Ambos sofreram resistência da tradição.
Existe algum monumento a Harvey em Londres?
Sim! No Imperial College, há uma estátua dele com a inscrição: “He made the blood run in circles.”
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Até ao próximo artigo!
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