“A minha determinação não é provar nada, apenas observar.”
– Anton van Leeuwenhoek (carta à Royal Society, 1677)

Ele nunca frequentou universidade. Não falava latim. Era apenas um comerciante de tecidos na pequena Delft, na Holanda do século XVII. Mas, entre rolos de linho e clientes da burguesia local, Anton van Leeuwenhoek (1632-1723) construiu com as próprias mãos lentes tão perfeitas que conseguiram revelar um universo inteiro que ninguém antes havia visto: o mundo microscópico. Hoje, celebramos o pai da microbiologia e um dos maiores cientistas amadores de todos os tempos.

Uma Delft Dourada: contexto histórico da Revolução Científica

A Holanda do século XVII vivia a chamada Era de Ouro holandesa. Enquanto Portugal e Espanha perdiam lentamente o monopólio do comércio mundial, cidades como Amesterdão, Haia e Delft tornavam-se centros de riqueza, tolerância religiosa e curiosidade intelectual. Foi nesse ambiente que homens como Christiaan Huygens, Baruch Spinoza e o próprio Leeuwenhoek puderam florescer.

Leeuwenhoek nasceu a 24 de outubro de 1632, exatamente no ano em que René Descartes publicava o Discurso do Método e Galileu Galilei era julgado pela Inquisição. A ciência estava a romper com a escolástica medieval e a abraçar a observação direta da natureza — e ninguém levaria essa máxima mais longe do que o nosso comerciante de Delft.

Das lojas de tecido às lentes perfeitas

Aos 16 anos, Anton foi enviado para Amesterdão para aprender o ofício de comerciante de tecidos. Lá, usava lentes de aumento simples (chamadas “lupas de pulgas”) para contar fios de linho e seda. A precisão exigida pelo negócio despertou nele uma obsessão por lentes cada vez melhores.

Diferente de Robert Hooke ou Marcello Malpighi, que usavam microscópios compostos (com várias lentes), Leeuwenhoek optou por um caminho solitário: criou microscópios de lente única, feitos à mão. Algumas das suas melhores lentes alcançavam aumentos de até 480 vezes — qualidade que só seria igualada no século XIX!

Sabia que? Leeuwenhoek guardava o segredo da fabricação das suas lentes com tanto ciúme que, mesmo depois de morto, ninguém conseguiu replicar o método durante quase 100 anos.

1673-1723: meio século de cartas à Royal Society

A partir de 1673, Leeuwenhoek começou a enviar longas cartas em holandês (traduzidas depois para inglês) à prestigiada Royal Society de Londres. Eram descrições detalhadas, acompanhadas de desenhos, do que via sob as suas lentes:

  • 1674 – Observa protozoários em água de poça (“animalículos”)
  • 1676 – Descobre as bactérias (primeira observação da história)
  • 1677 – Observa espermatozoides humanos e de animais (“animálculos no sémen”)
  • 1683 – Descreve a estrutura de cristais, músculos estriados e a circulação sanguínea em caudas de girinos
  • 1692 – Observa rotíferos, hidras e até o movimento browniano (sem saber o que era)

Ele foi o primeiro ser humano a ver uma bactéria. Pense nisso: antes dele, ninguém imaginava que existissem seres vivos milhares de vezes menores que um grão de areia.

O “animalículos” que mudaram tudo

A descoberta mais revolucionária veio em 1676. Leeuwenhoek coletou água da chuva, de poços, do canal de Delft e até da própria boca (após raspar os dentes). Para sua surpresa, viu “muitíssimos animálculos pequeninos, muito bonitinhos, movendo-se de maneira encantadora”.

“A quantidade deles era tão grande que, se todos os homens do mundo fossem reunidos, não conseguiriam contar nem a milionésima parte deles.”

Hoje sabemos que ele estava a ver bactérias, ciliados e flagelados. A ciência moderna começou ali, numa gota d’água observada por um comerciante holandês.

A descoberta do espermatozoide e a polémica da pré-formação

Em 1677, um estudante de medicina chamado Johan Ham mostrou-lhe sémen de um doente com gonorreia. Leeuwenhoek, curioso, examinou sémen próprio e de coelhos, cães e peixes. Ficou estupefacto ao ver milhares de “animálculos com cauda” nadando vigorosamente.

Na época, predominava a teoria da pré-formação: acreditava-se que o embrião já estava totalmente formado no espermatozoide (homúnculo) ou no óvulo. Leeuwenhoek tornou-se um dos maiores defensores da versão “espermista”. A polémica duraria mais de um século, até Karl Ernst von Baer descobrir o óvulo humano em 1827.

Relação com os grandes cientistas da época

Apesar de não ter formação académica, Leeuwenhoek recebeu visitas ilustres:

  • 1677 – Christiaan Huygens, o inventor do relógio de pêndulo
  • 1680 – Peter, o Grande, czar da Rússia
  • 1698 – A rainha da Inglaterra (viajou especialmente a Delft!)
  • 1716 – O príncipe de Liechtenstein

Em 1680 foi eleito membro da Royal Society — honra raríssima para alguém sem títulos académicos.

Técnica e metodologia: o rigor do autodidata

Leeuwenhoek não era apenas um bom fabricante de lentes. Era um experimentalista brilhante:

  • Usava luz lateral para realçar contraste
  • Criava suportes especiais para observar insetos vivos
  • Fixava amostras com cera ou cola de peixe
  • Repetia observações dezenas de vezes
  • Media tamanhos comparando com grãos de areia

O seu rigor impressionou até Isaac Newton, que citou várias das suas observações.

Últimos anos e legado

Mesmo aos 90 anos, Leeuwenhoek continuava a trabalhar. Morreu a 26 de agosto de 1723, com 90 anos e 10 meses — idade extraordinária para a época. Deixou mais de 500 microscópios e lentes, dos quais apenas 9 sobreviveram até hoje.

O seu trabalho abriu caminho para:

Sem Leeuwenhoek, não teríamos vacinas, antibióticos nem compreensão das infeções.

Perguntas Frequentes sobre Anton van Leeuwenhoek

Quem foi o primeiro a ver bactérias?
Anton van Leeuwenhoek, em 1676.

Quantas lentes Leeuwenhoek fez ao longo da vida?
Cerca de 500 lentes e 250 microscópios completos.

Porque ele escrevia em holandês e não em latim?
Nunca aprendeu latim — era um autodidata completo.

Leeuwenhoek acreditava na geração espontânea?
Não. As suas observações ajudaram a refutar esta ideia antiga.

Onde estão os microscópios originais de Leeuwenhoek?
Nove sobreviveram. O mais famoso está no Museu Boerhaave, em Leiden, e ainda funciona!

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