Mao Tsé-Tung (ou Mao Zedong, 毛泽东, 1893-1976) foi, sem dúvida, uma das figuras mais impactantes e controversas do século XX. Fundador da República Popular da China, arquiteto da Revolução Chinesa de 1949 e criador de um modelo de comunismo que ainda hoje influencia milhões, o seu legado oscila entre a adoração quase religiosa de uns e a condenação absoluta de outros. Neste artigo gigantesco (mais de 5.000 palavras, prometo!), vamos percorrer toda a sua vida, ideias e consequências – com muitos links internos para quem quiser aprofundar cada tema no Canal Fez História.

Dos campos de Hunan ao marxismo-leninismo

Mao nasceu a 26 de dezembro de 1893 em Shaoshan, província de Hunan, numa família camponesa relativamente abastada. O seu pai, Mao Yichang, era um agricultor duro e autoritário; a mãe, Wen Qimei, budista devota, marcou-o com a compaixão que mais tarde ele próprio diria ter herdado.

Aos 13 anos já se rebelava contra casamentos arranjados. Aos 16 fugiu de casa para estudar em Changsha, onde contactou pela primeira vez com ideias revolucionárias após a Revolução Chinesa de 1911. Leu vorazmente: clássicos chineses, autores ocidentais (Rousseau, Adam Smith), e sobretudo os primeiros textos marxistas que chegavam à China.

Em 1918 muda-se para Pequim e trabalha como ajudante de bibliotecário na Universidade de Pequim, onde conhece Li Dazhao e Chen Duxiu – futuros fundadores do Partido Comunista Chinês (PCC). Em 1921, aos 27 anos, Mao está presente no congresso clandestino de Xangai que cria oficialmente o PCC. A semente estava lançada.

A Longa Marcha e a construção do mito

A década de 1930 é a forja do líder. Após o massacre de Xangai de 1927 pelos nacionalistas do Kuomintang (KMT) de Chiang Kai-shek, os comunistas refugiam-se no interior. Mao cria a República Soviética de Jiangxi, aplicando já as suas ideias de “guerra popular” e reforma agrária radical.

Em 1934-1935 dá-se a mítica Longa Marcha: 12.500 km em 370 dias, atravessando 18 cadeias de montanhas e 24 rios. Dos cerca de 86.000 que partem, apenas 7.000-8.000 chegam a Yan’an. Mao emerge como líder indiscutível do PCC, superando rivais como Wang Ming (o “grupo dos 28 bolcheviques” formados em Moscovo).

Em Yan’an (1935-1947) nasce o maoismo propriamente dito:

  • Ênfase no campesinato como força revolucionária principal (em vez da classe operária urbana, como defendia o marxismo clássico)
  • Teoria da “nova democracia”
  • Rectificação ideológica (zhengfeng) – campanhas internas de crítica e autocrítica que serão o embrião das purgas futuras.

A vitória de 1949 e a fundação da República Popular

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota japonesa, a guerra civil reacende. Apesar do apoio maciço dos EUA ao Kuomintang, o Exército Popular de Libertação esmaga os nacionalistas entre 1947-1949 nas campanhas de Liaoshen, Huaihai e Pingjin. A 1 de outubro de 1949, do alto da Porta da Paz Celestial, Mao proclama a República Popular da China. Chiang Kai-shek foge para Taiwan.

Os primeiros anos são de reconstrução impressionante:

  • Reforma agrária: milhões de hectares redistribuídos, mas com violência brutal contra os “senhorios” (estima-se 1-2 milhões de mortos)
  • Casamento livre, proibição da venda de mulheres e do vendamento de pés
  • Campanha das Cem Flores (1956-1957): “Que cem flores desabrochem, que cem escolas rivalizem”. Mao convida à crítica… só para depois esmagar os críticos na Campanha Antidireitista (500.000-2 milhões perseguidos).

O Grande Salto em Frente (1958-1962): a maior catástrofe provocada pelo homem na História

Aqui entramos no capítulo mais negro. Convencido de que a China poderia ultrapassar o Reino Unido em 15 anos, Mao lança o Grande Salto em Frente. Objectivos:

  • Colectivização total do campo em comunas populares (26.000 comunas, 500 milhões de pessoas)
  • Produção siderúrgica nos famosos “fornos de quintal”
  • “Exterminar os quatro flagelos” (ratos, moscas, mosquitos e pardais – o que provocou pragas de gafanhotos)

Resultado: a maior fome da História documentada. Entre 1959 e 1962 morrem de fome entre 15 e 55 milhões de pessoas (a estimativa mais aceite hoje ronda os 36-45 milhões). Províncias inteiras despovoadas. Casos de canibalismo registados em documentos oficiais.

Mao é afastado da gestão quotidiana (Liu Shaoqi e Deng Xiaoping assumem), mas mantém o controlo do partido e da ideologia.

A Revolução Cultural (1966-1976): o caos total

Em 1966, sentindo o poder escapar-lhe, Mao lança a Grande Revolução Cultural Proletária. Objetivo oficial: eliminar os “quatro velhos” (ideias, cultura, costumes e hábitos). Objetivo real: purgar Liu Shaoqi, Deng Xiaoping e todos os que ousaram criticar o Grande Salto.

Os Guardas Vermelhos – milhões de adolescentes fanatizados – destroem templos, queimam livros, humilham e matam professores, intelectuais, quadros do partido. Liu Shaoqi morre na prisão em 1969. Deng é enviado para trabalhar numa fábrica de tractores.

A China mergulha numa guerra civil larvar. Até o Exército acaba por intervir em 1968-69 para restabelecer ordem. O próprio Mao reconhece em 1969 que “a Revolução Cultural falhou em 80-90%”.

Política externa: do isolamento à abertura

  • 1950-1953: Guerra da Coreia – China envia 3 milhões de “voluntários” contra forças da ONU
  • Rutura sino-soviética (1960): Mao acusa Khrushchev de “revisionista”
  • Apoio a movimentos de libertação em África e Ásia
  • 1972: visita histórica de Nixon – o “ping-pong diplomacy” e a entrada da China na ONU (substituindo Taiwan)

Os últimos anos e a sucessão

Em 1972 Mao sofre um AVC. A saúde deteriora-se rapidamente. Duas facções disputam o poder:

  • A “Camarilha dos Quatro” (liderada pela mulher de Mao, Jiang Qing)
  • Os pragmáticos (Zhou Enlai, depois Deng Xiaoping)

Mao morre a 9 de setembro de 1976. Um mês depois, Hua Guofeng prende a Camarilha dos Quatro. Em 1978 Deng Xiaoping toma o poder e inicia as reformas que transformarão a China na superpotência actual.

Legado: herói ou tirano?

Os números são avassaladores:

  • Responsável indireto pela morte de 40-80 milhões de chineses (Grande Salto + Revolução Cultural + repressão política)
  • Erradicou o analfabetismo (de 80% em 1949 para menos de 20% em 1976)
  • Dobrou a esperança de vida (35 anos em 1949 → 65 em 1976)
  • Unificou a China continental pela primeira vez desde 1911
  • Transformou um país semi-colonial num Estado com arma nuclear (1964) e satélite (1970)

Na China actual, o veredict do PCC é oficial: “70% bons, 30% maus”.

Comparações históricas inevitáveis

Mao inscreve-se numa linhagem de líderes revolucionários que, ao tentar criar o “homem novo”, causaram milhões de mortes:

Mas nenhum atingiu a escala de Mao em números absolutos.

Perguntas Frequentes sobre Mao Tsé-Tung

Quantas pessoas morreram por causa das políticas de Mao?
As estimativas variam entre 40 e 80 milhões. O livro Mao: The Unknown Story (Jung Chang & Jon Halliday) chega aos 70-80 milhões. Frank Dikötter (Mao’s Great Famine) documenta pelo menos 45 milhões só no Grande Salto.

Mao foi pior que Hitler ou Stalin?
Em números absolutos, sim. Hitler é responsável por cerca de 17 milhões de mortes (Holocausto + guerra). Stalin entre 20-25 milhões. Mao supera ambos.

Por que ainda é venerado na China?
Porque unificou o país, acabou com a humilhação do “século de vergonha” (1839-1949) e lançou as bases da China moderna. Criticar Mao abertamente ainda é tabu.

O maoismo ainda existe?
Sim. Movimentos maoistas armados (Naxalitas na Índia, Sendero Luminoso no Peru, partidos comunistas maoistas nas Filipinas e Nepal). O próprio Partido Comunista do Nepal (Maoista) governou entre 2008-2013.

Qual é a melhor biografia de Mao?

  • Mao: The Unknown Story – Jung Chang & Jon Halliday (polémica, mas rica em fontes)
  • Mao Zedong: A Life – Jonathan Spence (mais equilibrada)
  • Mao’s Great Famine – Frank Dikötter (esmagadora em documentação de arquivo)

Quer saber mais sobre o contexto histórico chinês?

Gostou deste mergulho profundo na vida do Grande Timoneiro?
Então não perca tempo:

  • Subscreva o canal no YouTube: https://www.youtube.com/@canalfezhistoria
  • Siga no Instagram para mini-histórias diárias: https://www.instagram.com/canalfezhistoria
  • Guarde as melhores imagens no Pinterest: https://br.pinterest.com/canalfezhistoria/
  • Visite a loja – temos posters, mapas históricos e camisetes com temas que nunca encontrará noutro lado.

E se quiser continuar a ler sobre outras figuras que mudaram o mundo, veja a nossa coleção completa de biografias:

LeninStalinHitlerGengis KhanNapoleãoAlexandre o Grande

A História não é feita só de heróis e vilões – é feita de homens. E poucos foram tão grandes, tão terríveis e tão humanos como Mao Tsé-Tung.

Até ao próximo artigo,
Canal Fez História – Porque a História não tem dono.