Explore o momento em que três militares assumiram o comando do país por 62 dias, evitando o vácuo de poder após a doença de Costa e Silva. Uma análise profunda de um dos episódios mais intrigantes da Ditadura Militar.
A história do Brasil está repleta de momentos em que o destino da nação pendia por um fio. Em 31 de agosto de 1969, o presidente Artur da Costa e Silva sofreu um grave acidente vascular cerebral, deixando o país à beira do colapso institucional. Sem vice-presidente – pois Pedro Aleixo havia sido afastado pelo AI-5 –, os ministros militares assumiram o poder através da Junta Governativa Provisória de 1969.
Este artigo mergulha fundo nesse período de 62 dias que separou o regime de Costa e Silva do governo de Emílio Garrastazu Médici, revelando como três generais – Aurélio de Lyra Tavares (Exército), Augusto Rademaker (Marinha) e Márcio de Souza e Melo (Aeronáutica) – mantiveram o Brasil funcionando em meio à maior crise constitucional desde a Junta Governativa Provisória de 1930.
Curioso sobre como o Brasil já enfrentou crises semelhantes? Acesse nosso conteúdo sobre a Junta Governativa Provisória de 1930 e compare os dois momentos.
Contexto Histórico: Do Golpe de 1964 à Doença de Costa e Silva
Para entender a Junta Governativa Provisória de 1969, precisamos voltar ao golpe de 31 de março de 1964. O marechal Humberto Castello Branco, primeiro presidente militar, estabeleceu as bases do regime com o Ato Institucional nº 1. Seu sucessor, Artur da Costa e Silva, assumiu em 1967 prometendo “humanizar” a ditadura – promessa que durou pouco.
A Escalada da Repressão
Em dezembro de 1968, o deputada Márcio Moreira Alves fez um discurso inflamado contra a tortura nas Forças Armadas. A reação foi imediata: o AI-5 foi decretado em 13 de dezembro, fechando o Congresso e dando poderes absolutos ao presidente. Menos de um ano depois, Costa e Silva sofreria o AVC que o afastaria permanentemente do poder.
Sabia que o AI-5 foi o instrumento jurídico que permitiu a criação da Junta? Leia mais em Regime de 1964.
A Sucessão Problemática
A Constituição de 1967 (imposta pelo regime) previa que, em caso de impedimento do presidente e do vice, o Congresso escolheria o substituto. Mas Pedro Aleixo, vice civil, era visto como “moderado demais” pelos militares da linha-dura. Quando Costa e Silva adoeceu, os ministros militares simplesmente ignoraram a Constituição.
Os Três Homens da Junta
Aurélio de Lyra Tavares (Exército)
O mais velho dos três, Lyra Tavares era ministro do Exército e representava a continuidade da linha-dura. Formado na Escola Militar do Realengo, participou ativamente do golpe de 1964. Sua assinatura aparece em todos os atos da Junta.
Augusto Rademaker (Marinha)
Ex-comandante da Marinha, Rademaker era conhecido por sua lealdade ao regime. Curiosamente, seria ele quem, anos depois, entregaria a faixa presidencial a Ernesto Geisel em 1974.
Márcio de Souza e Melo (Aeronáutica)
O mais jovem, representava a Força Aérea Brasileira. Sua participação na Junta foi crucial para manter a coesão entre as três armas.
Quer conhecer mais sobre esses militares? Confira as biografias completas de Aurélio de Lyra Tavares, Augusto Rademaker e Márcio de Souza e Melo.
Os 62 Dias de Governo Provisório
Primeiro Ato: A Comunicação Oficial
Em 31 de agosto, o Brasil acordou com uma nota oficial:
“O Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Marechal Artur da Costa e Silva, foi acometido de trombose cerebral…”
A mensagem não mencionava a Junta – apenas que os ministros militares assumiam “provisoriamente” o poder.
Atos Institucionais da Junta
Durante os 62 dias, a Junta editou 17 Atos Institucionais, incluindo:
- Ato Institucional nº 12 – Declarava o impedimento permanente de Costa e Silva
- Ato Institucional nº 16 – Convocava o Congresso para eleger o novo presidente
- Ato Institucional nº 17 – Regulamentava a sucessão
A Escolha de Médici
Em 25 de outubro de 1969, o Congresso (reaberto apenas para isso) elegeu Emílio Garrastazu Médici com 293 votos a favor e 73 em branco. A posse ocorreu em 30 de outubro, encerrando a Junta Governativa Provisória de 1969.
Impactos e Legado
Continuidade da Repressão
Médici intensificaria a repressão, iniciando os “Anos de Chumbo”. Organizações como o DOI-CODI seriam criadas em seu governo.
Precedente Perigoso
A Junta Governativa Provisória de 1969 estabeleceu que, em crise, as Forças Armadas poderiam ignorar a Constituição – precedente que seria usado novamente em 1985, com a morte de Tancredo Neves.
Comparação com Outras Juntas
| Característica | Junta de 1930 | Junta de 1969 |
|---|---|---|
| Duração | 23 dias | 62 dias |
| Contexto | Fim da República Velha | Crise de sucessão na Ditadura |
| Composição | 3 militares | 3 ministros militares |
| Resultado | Entrega a Getúlio | Eleição de Médici |
Perguntas Frequentes
1. A Junta de 1969 foi um golpe dentro do golpe?
Não exatamente. Foi uma solução de emergência para evitar o vácuo de poder, mas violou a Constituição de 1967 ao ignorar Pedro Aleixo.
2. Por que Pedro Aleixo foi afastado?
Os militares da linha-dura consideravam-no “liberal demais”. Ele havia criticado o AI-5 e defendia o retorno à democracia.
3. A Junta tomou decisões importantes?
Sim! Além dos Atos Institucionais, manteve a política econômica de Delfim Netto e autorizou operações contra a guerrilha.
4. Como o povo reagiu?
Com silêncio. A censura estava no auge, e a maioria dos brasileiros só soube da Junta pelos comunicados oficiais.
5. Existe relação com a Junta de 1930?
Sim, ambas foram soluções militares para crises de sucessão. Leia mais em Junta Governativa Provisória de 1930.
Conexões com Outros Períodos Históricos
A Junta Governativa Provisória de 1969 não surgiu do nada. Faz parte de uma longa tradição brasileira de soluções extraconstitucionais:
- Junta de 1930 – Após a Revolução de 1930
- Período Regencial (1831-1840) – Após abdicação de Dom Pedro I
- Governo Provisório de Vargas (1930-1934) – Similar em estrutura
Interessado em crises de sucessão? Explore Período Regencial e Governo Provisório.
Linha do Tempo Detalhada
timeline
31/ago/1969 : Costa e Silva sofre AVC
31/ago/1969 : Junta assume o poder
06/set/1969 : AI-12 declara impedimento
25/out/1969 : Congresso elege Médici
30/out/1969 : Posse de Médici
Análise: Foi a Junta Necessária?
Argumentos a Favor
- Estabilidade institucional – Evitou guerra civil entre facções militares
- Continuidade administrativa – Manutenção dos serviços públicos
- Transição ordenada – Entrega do poder a Médici
Argumentos Contra
- Golpe constitucional – Ignorou Pedro Aleixo
- Precedente autoritário – Reforçou o poder militar
- Falta de legitimidade – Nomeação sem eleição
A Junta na Cultura Popular
Apesar da censura, o período aparece em:
- “O Paciente” (1998) – Filme sobre a doença de Costa e Silva
- “1969 – O Ano que Não Terminou” – Documentário da GloboNews
- Memórias de Lyra Tavares – Publicadas postumamente
62 Dias que Moldaram o Brasil
A Junta Governativa Provisória de 1969 foi um remendo emergencial em uma Constituição já rasgada pelo AI-5. Seus 62 dias de duração marcaram o auge do poder militar na política brasileira, pavimentando o caminho para os “Anos de Chumbo” de Médici.
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Fontes consultadas:
- Arquivos do CPDOC-FGV
- “Ditadura e Democracia no Brasil” – Elio Gaspari
- “1964: O Golpe” – Jorge Ferreira
- Atos Institucionais originais (1969)
















