“A conquista mais gloriosa não é a do território, mas a conquista do coração dos homens.”
– Inscrição nos Éditos de Asoka, Pilar VII
Poucos governantes na história da humanidade conseguiram algo tão radical quanto Asoka (ou Ashoka, em sânscrito): passar de um dos monarcas mais brutais do mundo antigo para o maior propagador da não-violência que o planeta já viu. Este artigo é uma viagem profunda pela vida deste homem que, há mais de 2.200 anos, governou quase todo o subcontinente indiano e acabou por se tornar o símbolo máximo do poder aliado à compaixão.
Origens: O Neto de Chandragupta e o Império Maurya
Asoka nasceu por volta de 304 a.C., neto do lendário Chandragupta Maurya, fundador do Império Maurya (c. 322 a.C. – 185 a.C.), o primeiro grande império unificado da Índia. Seu pai, Bindusara, expandiu as fronteiras, mas foi Asoka quem as levou ao auge.
A infância de Asoka está envolta em lendas. Diz-se que ele era tão feroz que Bindusara o enviou para sufocar revoltas em Taxila (atual Paquistão) ainda adolescente – e ele o fez com extrema violência. Quando Bindusara morreu em 272 a.C., iniciou-se uma guerra civil de quatro anos entre os irmãos. Asoka venceu. A tradição budista diz que matou 99 irmãos, poupando apenas um, Tissa. Verdade ou exagero? Talvez ambas.
A Conquista de Kalinga: O Ponto de Virada
Em 261 a.C., já coroado há oito anos, Asoka lançou a campanha contra Kalinga (atual estado de Odisha). O resultado foi catastrófico: segundo os próprios Éditos em Rocha XIII, morreram 100.000 soldados e civis, e outros 150.000 foram deportados. Asoka visitou o campo de batalha e, nas suas palavras:
“Quando um país independente é conquistado, a matança, a morte e a deportação que aí ocorrem são profundamente dolorosas e graves para Sua Sagrada Majestade.”
Foi ali, entre cadáveres e sofrimento, que algo quebrou dentro dele.
A Conversão ao Budismo e a Revolução Moral
Pouco depois de Kalinga, Asoka converteu-se ao budismo – não apenas como religião pessoal, mas como política de Estado. Ele tornou-se upasaka (leigo budista) e, mais tarde, adotou o título Devanampiya Piyadasi (“Aquele que olha com carinho para todos”). Abandonou as conquistas militares e passou a falar em Dhamma-vijaya – vitória pela virtude, não pela espada.
Para entender o impacto, compare-se com outros impérios da época:
| Império | Política externa típica | Asoka após Kalinga |
|---|---|---|
| Império Aquemênida | Tolerância religiosa, mas militarista | Tolerância + proselitismo pacífico |
| Império Romano | Pax Romana pela força | Pax Dhamma pela ética |
| Dinastias Qin e Han | Legalismo e expansão militar | Não-violência e bem-estar social |
Os Éditos de Asoka: A Primeira “Constituição Moral” da História
Asoka mandou gravar as suas novas políticas em rochas e pilares por todo o império – da Índia ao Afeganistão, do Paquistão ao Nepal. São 33 inscrições conhecidas, escritas em prácrito, grego e aramaico. Alguns exemplos:
- Édito em Rocha XIII – o arrependimento por Kalinga.
- Édito em Rocha V – proibição da matança de animais para comida (exceto duas aves e um cervo por dia – ele ainda não era vegano total!).
- Pilar VI – criação de hospitais para homens e animais, plantação de árvores e construção de poços ao longo das estradas.
Se quiser ler os textos originais traduzidos, recomendo a página sobre Sidarta Gautama e Budismo, onde falo da influência direta do Buda na doutrina que Asoka adotou.
Obras Públicas: O Estado de Bem-Estar Social do Século III a.C.
Asoka não ficou apenas em palavras. Ele:
- Construiu 84.000 stupas (segundo a tradição).
- Criou hospitais veterinários – algo impensável na Europa até 1.800 anos depois.
- Plantou árvores de sombra e mangueiras ao longo das estradas.
- Enviou missionários budistas ao Sri Lanka (seu filho Mahinda), à Síria, Egito, Grécia e Macedônia.
O rei do Sri Lanka, Devanampiya Tissa, converteu-se graças ao missionário Mahinda – e o budismo theravada tornou-se a religião oficial do país até hoje.
Asoka e o Legado no Mundo Moderno
A roda do Dharma (Dharmachakra) que aparece nos 24 raios da bandeira da Índia atual é exatamente a do Pilar de Asoka em Sarnath – o famoso “Capitel dos Leões”. Mahatma Gandhi considerava Asoka o seu modelo de governante ético. Jawaharlal Nehru escreveu em A Descoberta da Índia:
“Asoka foi o maior de todos os reis. Nenhum outro deixou uma mensagem tão clara de paz e boa vontade.”
Perguntas Frequentes sobre Asoka
1. Asoka foi realmente vegetariano?
Quase. Proibiu o sacrifício animal e reduziu drasticamente o consumo de carne na corte. Só permitia dois pavões e um cervo por dia – e mais tarde lamentou até isso.
2. O império desmoronou após a sua morte?
Sim. Morreu em 232 a.C. e o Império Maurya durou apenas mais 50 anos. O excesso de pacifismo e os altos gastos em obras sociais enfraqueceram o exército. Último grande imperador: Brihadratha, assassinado em 185 a.C. pelo general Pushyamitra Shunga.
3. Asoka aparece em alguma série ou filme?
Sim! A série indiana Asoka (2001) com Shah Rukh Khan é excelente (embora romantizada). Há também a versão histórica mais rigorosa Emperor Ashoka (2015).
4. Onde posso ver os pilares originais?
- Pilar de Sarnath – Museu de Sarnath (o capitel está na bandeira indiana)
- Pilar de Lauriya Nandangarh – Bihar
- Éditos em Rocha de Girnar – Gujarat
- Cópias no Museu Nacional de Nova Deli
5. Asoka influenciou outros líderes?
Sim. O imperador japonês Shōtoku (séc. VI-VII) inspirou-se nele para a Constituição de 17 artigos. Até o Dalai Lama o cita frequentemente.
O Rei que Preferiu Perder Batalhas a Perder a Humanidade
Asoka não foi perfeito. Matou milhares antes de se arrepender. Mas, ao contrário da maioria dos conquistadores que justificam a violência até ao fim, ele teve a coragem de mudar. Num mundo antigo onde imperadores como Qin Shi Huang, Alexandre o Grande ou Júlio César morriam glorificando a guerra, Asoka escolheu a vergonha da autocrítica pública e a glória da compaixão.
Talvez seja por isso que, 2.300 anos depois, ainda falamos dele com reverência.
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Até ao próximo artigo,
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