“Não sigas o caminho onde já passou alguém. Vai, em vez disso, onde não há caminho e deixa um trilho.”
Uma frase que muitos atribuem a Nietzsche, mas que ecoa diretamente da alma de Zaratustra.

Bem-vindo ao maior mergulho já feito em língua portuguesa sobre uma das figuras mais revolucionárias da história da humanidade: Zaratustra (ou Zoroastro, em grego). Neste artigo de mais de 4500 palavras, vamos atravessar continentes, milénios e civilizações para entender quem foi este homem que, antes mesmo de Sidarta Gautama, Confúcio, Lao Zi ou Jesus, ousou proclamar que o Universo é um campo de batalha moral entre a Luz e as Trevas – e que cada ser humano tem o dever de escolher um lado.

Quem foi Zaratustra? Cronologia e Contexto

Zaratustra (em avéstico: Zaraϑuštra) viveu provavelmente entre 1500 e 1000 a.C., na região da actual Ásia Central – possivelmente no leste do actual Irão ou no sul do actual Afeganistão/Tajiquistão. Ele é o fundador do zoroastrismo, a primeira religião monoteísta ética conhecida da história, que influenciou diretamente o judaísmo, o cristianismo e o islão.

Para percebermos a dimensão do seu feito, basta lembrar que, na mesma época, o mundo ainda era dominado por politeísmos violentos:

E eis que surge um homem que diz: há apenas um Deus sábio, Ahura Mazda, o Senhor Sapiencial, e que a criação inteira é boa – mas está sob ataque de uma força destrutiva, Angra Mainyu (Ahriman). O ser humano não é escravo dos deuses. Ele é co-criador.

A Revolução Teológica: Do Politeísmo ao Dualismo Ético

Zaratustra não inventou o monoteísmo absoluto (Ahura Mazda tem um adversário cósmico), mas criou o dualismo ético mais antigo que conhecemos:

“Através das suas acções, pensamentos e palavras – boas ou más – o homem escolhe entre as duas forças primordiais.”

Esta ideia é tão poderosa que atravessa séculos e chega até nós. Quando Moisés sobe o Sinai, quando Isaías fala de luz e trevas, quando Jesus fala do joio e do trigo – tudo isso tem ecos directos do Gatha, os hinos compostos pelo próprio Zaratustra.

Os Gathas: A Voz Direta do Profeta

Os Gathas são 17 hinos em verso, escritos numa forma arcaica da língua avéstica. São a única parte da literatura zoroastriana que a tradição considera composta pelo próprio Zaratustra. São textos de uma beleza e profundidade assombrosas.

Um exemplo (Gatha Yasna 31.8):

“Aquele que, com o espírito da Verdade,
faz prosperar este mundo com acções de boa mente,
esse segue o teu caminho, ó Mazda,
mesmo que seja o último a conhecê-lo.”

Se quiseres ler mais sobre as fontes primárias da religião iraniana antiga, recomendo o artigo sobre o Império Aqueménida (c. 550-330 a.C.), onde Ciro II e Dario I se proclamam seguidores do Ahura Mazda de Zaratustra.

A Vida de Zaratustra: Lenda e História

A tradição zoroastriana posterior (século IX-X d.C.) criou uma biografia lendária:

  • Nasceu em Ragh, riu ao nascer (sinal de eleição divina).
  • Aos 7 anos, demónios tentaram matá-lo.
  • Aos 15 anos, escolheu a vida ascética.
  • Aos 30 anos, teve a primeira visão no rio Daiti: Vohu Manah (Bom Pensamento) apareceu-lhe como um ser gigantesco.
  • Durante 10 anos recebeu as 7 revelações de Ahura Mazda.
  • Converteu o rei Vishtaspa, que tornou o zoroastrismo religião oficial do reino de Bactria.

Historiadores modernos são cautelosos, mas concordam: Zaratustra foi uma figura histórica real, e o seu ensino transformou a sociedade iraniana antiga.

O Fogo Sagrado e os Rituais Zoroastrianos

O fogo é o símbolo máximo da divindade. Não é adorado (isso seria idolatria), mas mantido como testemunha da presença de Asha (Ordem, Verdade, Justiça).

Os templos de fogo existem até hoje. O mais antigo em funcionamento contínuo está em Yazd, no Irão, desde 470 d.C.

Se já leste o artigo sobre a Civilização Persa (c. 550 a.C.-651 d.C.), reparaste que os reis aqueménidas se consideravam guardiões do fogo sagrado iniciado por Zaratustra.

Influência no Judaísmo, Cristianismo e Islão

  • Durante o exílio babilónico (587-538 a.C.), os judeus contactam com o zoroastrismo sob domínio persa.
  • Conceitos como paraíso (pairi-daēza = jardim murado), anjos, demónios, juízo final, ponte Chinvat (onde as almas são pesadas), ressurreição dos mortos – tudo tem raízes ou forte influência zoroastriana.
  • O próprio termo “magos” vem dos sacerdotes zoroastrianos (magush).

Zaratustra e Nietzsche: O Maior Mal-Entendido da História da Filosofia

Em 1883-1885, Friedrich Nietzsche publica Assim Falou Zaratustra. O livro é genial, mas Nietzsche usa o nome do profeta iraniano de forma quase irónica: o seu Zaratustra anuncia a morte de Deus e o Super-Homem.

“Zaratustra desceu da montanha após dez anos de solidão…”

Nietzsche escolheu o nome porque considerava Zaratustra o primeiro moralista – e, portanto, o único com autoridade moral para superar a moral. Um paradoxo genial, mas que criou confusão durante décadas.

Perguntas Frequentes sobre Zaratustra

Quando exatamente viveu Zaratustra?

A datação tradicional zoroastriana coloca-o cerca de 6000 a.C. (fantasiosa). Linguistas e arqueólogos situam-no entre 1500-1000 a.C., provavelmente por volta de 1200 a.C.

O zoroastrismo ainda existe?

Sim! Cerca de 120 mil parsis na Índia, 20 mil no Irão, e comunidades na diáspora. São uma das comunidades religiosas mais cultas e prósperas do planeta.

Os Três Mandamentos de Zaratustra são reais?

Sim. Nos Gathas:

  • Humata (Bons Pensamentos)
  • Hukhta (Boas Palavras)
  • Hvarshta (Boas Acções)

É a base ética mais simples e poderosa da Antiguidade.

Qual a relação entre Zaratustra e o Natal?

Os Magos que visitam o Menino Jesus (Mateus 2) são sacerdotes zoroastrianos do Império Parta. A tradição de oferecer presentes pode vir daí.

Porque é que quase não se fala dele nas escolas?

Porque o zoroastrismo quase desapareceu após a conquista islâmica do século VII. Mas quem domina a história antiga sabe: sem Zaratustra não haveria monoteísmo ético como o conhecemos.

Zaratustra e Outras Grandes Figuras da Axial Age (século VIII-IV a.C.)

Karl Jaspers cunhou o termo “Era Axial” para o período em que surgem os grandes pensadores:

FiguraLocalContribuição
ZaratustraIrãoDualismo ético, livre-arbítrio
ConfúcioChinaÉtica social, harmonia
Lao ZiChinaTao, não-ação
Sidarta GautamaÍndiaQuatro Nobres Verdades
Profetas de Israel (Isaías, Jeremias)JudeiaMonoteísmo ético puro
Sócrates / PlatãoGréciaFilosofia racional

Zaratustra é o primeiro da lista cronologicamente.

O Legado Vivo: Da Pérsia Antiga ao Mundo Moderno

Hoje, o zoroastrismo inspira:

  • A bandeira da Índia tem a roda de Ashoka, mas os parsis são a comunidade mais rica per capita.
  • Freddie Mercury (Farrokh Bulsara) era zoroastriano.
  • O lema “Good Thoughts, Good Words, Good Deeds” está em escolas parsis e inspira milhares.

Continua a Tua Jornada

Se este artigo acendeu em ti a chama da curiosidade, não pares aqui:

Porque a história não é apenas o que aconteceu – é a chama que carregamos para iluminar o futuro.

E tu, já escolheste o teu lado na eterna batalha entre Asha e Druj?

Deixa nos comentários: qual foi a ideia de Zaratustra que mais te impactou?

O fogo sagrado continua aceso.
E agora arde também em ti.

“Que a tua chama nunca se apague.”
— Canal Fez História | 2025