«Um perito é alguém que conhece alguns dos piores erros que podem ser cometidos num campo muito estreito.» – Niels Bohr (citado muitas vezes por Heisenberg)
Poucos nomes ressoam tão profundamente na física do século XX como Werner Karl Heisenberg. Não só criou o Princípio da Incerteza – uma das ideias mais revolucionárias da história da ciência – como esteve no centro das tempestades morais e políticas que marcaram a Alemanha entre 1933 e 1945. Gênio precoce, Nobel aos 31 anos, aluno dileto de Niels Bohr, amigo de Pauli e adversário intelectual de Einstein, Heisenberg é uma figura impossível de reduzir a herói ou vilão. É, antes de mais nada, um ser humano dentro da História.
Neste artigo de mais de 4500 palavras vamos percorrer toda a trajetória de Heisenberg – da infância em Munique ao exílio interior durante o nazismo, da formulação da mecânica matricial à tentativa alemã de construir (ou não construir) a bomba atômica, até ao pós-guerra e ao seu papel na reconstrução científica da Alemanha Ocidental. E, como sempre fazemos aqui no Canal Fez História, vamos conectar a vida dele com os grandes temas que já abordamos: da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) à Era da Informação e Globalização, passando por figuras como Albert Einstein, Max Planck, Niels Bohr e até Enrico Fermi.
Infância e Juventude: Um Menino Prodígio na Alemanha Imperial
Werner Heisenberg nasceu a 5 de dezembro de 1901 em Würzburg, mas cresceu em Munique, filho de um professor de filologia grega medieval que viria a ser reitor da universidade local. A casa dos Heisenberg era culta, conservadora e profundamente patriótica. Desde cedo o jovem Werner mostrou talento extraordinário para matemática e piano – chegou a considerar seriamente uma carreira como concertista.
Em 1920 ingressa na Universidade de Munique, onde tem contacto com Arnold Sommerfeld, um dos maiores professores de física teórica da época. Três anos depois, com apenas 22 anos, doutora-se summa cum laude. É nessa altura que conhece Niels Bohr em Göttingen e decide ir trabalhar com ele em Copenhaga. O encontro com Bohr muda tudo.
Se quiser saber mais sobre o ambiente intelectual da República de Weimar que formou Heisenberg, Einstein, Schrödinger e tantos outros, veja o nosso artigo sobre a Revolução Alemã de 1918-1919 e a República de Weimar.
A Revolução Quântica: 1925, o Ano Milagroso
1925 é, para a física, o que 1905 foi para Einstein. Com apenas 23 anos, Heisenberg, isolado na ilha de Helgoland para tratar uma crise de febre dos fenos, tem a intuição genial: abandonar a ideia de órbitas precisas dos electrões e trabalhar apenas com grandezas observáveis. Nasce assim a mecânica matricial.
Meses depois, em Zurique, Schrödinger cria a mecânica ondulatória. Parecem teorias rivais, mas em 1926 o próprio Schrödinger e, independentemente, Pauli e Dirac, mostram que são matematicamente equivalentes. A nova mecânica quântica está consolidada.
O Princípio da Incerteza (1927)
Em fevereiro de 1927, enquanto Bohr estava a esquiar na Noruega, Heisenberg escreve o artigo que o tornará eternamente famoso: Über den anschaulichen Inhalt der quantentheoretischen Kinematik und Mechanik. Nele demonstra que:
Δx · Δp ≥ ħ/2
Ou seja, quanto mais precisamente conhecemos a posição de uma partícula (Δx pequeno), menos precisamente conhecemos o seu momento (Δp grande), e vice-versa. Einstein nunca aceitou completamente esta ideia e passou o resto da vida tentando refutá-la (“Deus não joga aos dados”). Heisenberg respondeu com a célebre frase:
“A realidade que podemos descrever não é a realidade em si.”
Se ainda não leu o nosso artigo sobre Albert Einstein, vale a pena comparar as visões filosóficas destes dois gigantes.
O Nobel e os Anos Dourados (1927-1933)
Aos 31 anos (1932) Heisenberg recebe o Nobel de Física – oficialmente pelo ano de 1932, mas na prática por todo o trabalho de 1925-1927. É o mais jovem laureado da categoria até então.
Nessa altura é já professor em Leipzig, onde cria um dos maiores centros de física teórica do mundo. Entre os seus alunos estão Carl Friedrich von Weizsäcker, Edward Teller (futuro “pai” da bomba de hidrogénio) e até o brasileiro Mário Schenberg.
1933: A Noite em que a Ciência Alemã se Apagou
A 30 de janeiro de 1933 Hitler toma o poder. A 7 de abril é aprovada a “Lei para a Restauração do Funcionalismo Público” que expulsa judeus e opositores das universidades. Einstein, Born, Franck, Haber (já convertido) e centenas de outros deixam a Alemanha. Heisenberg, que não era judeu nem politicamente ativo, decide ficar.
“A ciência alemã precisa de nós”, escreve ele a Max Born, tentando justificar a decisão.
Em 1937 casa-se com Elisabeth Schumacher, filha de um professor de economia, com quem terá sete filhos (incluindo os gémeos Jochen e Maria).
Heisenberg e o Programa Nuclear Alemão (1939-1945)
Este é o capítulo mais polémico da vida de Heisenberg.
Em setembro de 1939, poucas semanas após a descoberta da fissão nuclear por Hahn e Strassmann, Heisenberg é convocado pelo Exército alemão. Torna-se diretor científico do Uranverein (Clube do Urânio), o programa nuclear alemão.
Durante anos debateu-se se Heisenberg:
- Tentou construir a bomba e falhou por razões técnicas;
- Sabotou conscientemente o programa;
- Simplesmente não acreditava que fosse possível construir a bomba durante a guerra.
As atas da reunião secreta de Copenhaga com Bohr em setembro de 1941 (imortalizada na peça Copenhagen de Michael Frayn) são ambíguas. Bohr saiu convencido de que Heisenberg queria a bomba; Heisenberg sempre jurou que só queria sondar se os Aliados estavam a trabalhar nela para justificar um acordo de não-uso.
Hoje a maioria dos historiadores (baseados nos Farm Hall transcripts – conversas gravadas dos cientistas alemães internados na Inglaterra em 1945) tende a aceitar que:
- Os alemães nunca perceberam que plutónio era uma alternativa viável ao urânio-235 enriquecido;
- Heisenberg cometeu um erro de cálculo grosseiro sobre a massa crítica (pensou que eram toneladas, não quilogramas);
- Nunca houve vontade política de Hitler (nem recursos) para um projeto estilo Manhattan.
Se quiser aprofundar a questão da bomba atômica na Segunda Guerra, veja o nosso artigo completo sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e também sobre Enrico Fermi e Robert Oppenheimer.
Pós-Guerra: Reconstrução e Redenção
Em 1945 Heisenberg é levado para a Inglaterra (Operação Epsilon). Quando ouve no rádio a notícia de Hiroshima, a sua reação – “Mas isso é impossível!” – revela que realmente não acreditava ser viável.
De volta à Alemanha em 1946, torna-se diretor do Instituto Max Planck de Física em Göttingen e depois em Munique. Dedica-se à unificação da física de partículas e à filosofia da ciência. Escreve livros como Physics and Philosophy (1958) e Der Teil und das Ganze (1969), onde reflete sobre ciência, responsabilidade e ética.
Em 1957 assina, com outros 17 físicos nucleares alemães, o Manifesto de Göttingen contra o armamento nuclear da RFA – um ato de coragem num país ainda sob influência americana.
Morre a 1 de fevereiro de 1976, aos 74 anos, de cancro na vesícula.
Legado de Heisenberg
- O Princípio da Incerteza mudou para sempre a nossa visão do mundo. Influenciou não só a física, mas a filosofia, a psicologia, a literatura e até a teologia.
- A mecânica matricial abriu caminho à teoria quântica de campos, aos transístores, aos lasers, à ressonância magnética – ou seja, à tecnologia do século XXI.
- A sua decisão de ficar na Alemanha nazi continua a ser debatida, mas poucos negam que, ao fazê-lo, salvou parte da escola alemã de física teórica do colapso total.
Perguntas Frequentes sobre Werner Heisenberg
O que é exatamente o Princípio da Incerteza?
Não é uma limitação tecnológica, mas uma propriedade fundamental da natureza. Não podemos conhecer simultaneamente posição e velocidade de uma partícula com precisão infinita.
Heisenberg foi nazi?
Não. Nunca foi filiado no NSDAP. Foi atacado pela SS como “judeu branco” por ensinar teoria da relatividade. Mas também nunca se exilou nem resistiu abertamente.
Porque é que a Alemanha não conseguiu a bomba atômica?
Falta de recursos, erros de cálculo, dispersão de esforços, e provavelmente falta de prioridade política. O Projeto Manhattan americano custou 2 mil milhões de dólares de 1945; o programa alemão nunca passou dos 8 milhões de Reichsmarks.
Heisenberg e Einstein eram amigos?
Respeitavam-se profundamente, mas eram adversários filosóficos. Einstein nunca aceitou a interpretação de Copenhaga (Bohr-Heisenberg).
Onde posso saber mais?
Além dos artigos já linkados, recomendo a biografia Uncertainty de David Cassidy e o livro de memórias do próprio Heisenberg Der Teil und das Ganze.
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Porque a História não é só sobre reis e guerras – é também sobre os génios que mudaram a forma como vemos o Universo.
Obrigado por ler até ao fim.
Nos vemos no próximo artigo! 🚀
Publicado originalmente em Canal Fez História
















