Descubra a vida, a obra e o legado do maior teólogo da Idade Média – o homem que transformou Aristóteles em aliado do cristianismo

Tomás de Aquino (1225-1274) não nasceu para ser santo. Nasceu, isso sim, para ser conde. Filho de uma das famílias mais poderosas do Reino de Nápoles, descendente dos normandos que conquistaram a Sicília e neto de Frederico Barbaroxa por parte de mãe, o pequeno Tommaso d’Aquino foi entregue aos 5 anos aos monges beneditinos de Monte Cassino com um único objetivo: um dia seria abade daquele mosteiro fabulosamente rico. Mas o destino, como costuma acontecer com os gigantes, tinha outros planos.

Dos castelos napolitanos ao convento dominicano

Em 1239, com 14 anos, Tomás entra na recém-criada Universidade de Nápoles, fundada pelo imperador Frederico II – aquele mesmo que chocou a Europa ao manter haréns muçulmanos e falcões enquanto era excomungado pelo papa. Lá, o jovem nobre conhece dois frades mendicantes que vão mudar tudo: os dominicanos, a Ordem dos Pregadores fundada por São Domingos de Gusmão. Contra a vontade feroz da família (sua mãe chegou a mandar irmãos armados sequestrá-lo e mantê-lo preso num castelo durante quase dois anos), Tomás veste o hábito branco e preto em 1244.

Esse episódio da prisão familiar é um dos mais saborosos da hagiografia medieval. Conta-se que os irmãos, desesperados por ver o herdeiro “jogar fora” a carreira, mandaram uma prostituta ao quarto onde Tomás estava confinado. O frade de 19 anos pegou um tição aceso da lareira, traçou uma cruz na parede e expulsou a mulher. Na mesma noite, dois anjos teriam aparecido para cingir-lhe os rins com o cinto da castidade perpétua. Verdade ou lenda piedosa? Não importa. O facto é que Tomás nunca mais olhou para trás.

Paris, Colónia e o encontro com Alberto Magno

Em 1245 chega a Paris, coração intelectual da cristandade, e torna-se discípulo do maior sábio da época: Alberto Magno não, espera – Alberto ainda estava vivo e era o mestre. Tomás segue-o até Colónia, onde os dominicanos tinham aberto um studium generale. Os colegas alemães, vendo aquele italiano gigantesco (media quase 1,90 m numa época em que a média era 1,60 m) e calado, chamavam-no de “o boi mudo”. Alberto Magno teria dito a famosa frase: «Este boi mudo um dia mugirá tão alto que o seu mugido será ouvido pelo mundo inteiro».

E mugiu.

A revolução intelectual: Aristóteles entra na cristandade

Até ao século XIII, a Europa conhecia Aristóteles sobretudo através de traduções latinas feitas a partir do árabe – e muitas vezes filtradas por comentadores muçulmanos como Averróis ou judeus como Maimónides. O problema? Aristóteles parecia dizer coisas incompatíveis com a fé cristã: o mundo é eterno, não há criação ex nihilo, a alma morre com o corpo, etc.

Tomás faz algo revolucionário: vai às fontes gregas (recém-traduzidas por Guilherme de Moerbeke), lê tudo, e decide que Aristóteles não é inimigo da fé – é aliado. A razão e a fé, longe de se contradizerem, são duas asas da mesma verdade. Esta é a grande intuição tomista.

«A graça não destrói a natureza, mas aperfeiçoa-a»
(Summa Theologiae, I, q. 1, a. 8, ad 2)

As duas grandes obras-primas

1. Summa contra Gentiles (1259-1265)

Escrita em grande parte em Itália, pensada como manual para os missionários dominicanos que pregavam entre muçulmanos e judeus na Península Ibérica e no Médio Oriente. Aqui Tomás mostra que muitas verdades da fé podem ser alcançadas pela razão natural: existência de Deus, imortalidade da alma, etc.

2. Summa Theologiae (1265-1274)

A obra inacabada que é considerada a catedral do pensamento medieval. Dividida em três partes (De Deo, De homine, De Christo), usa o método escolástico: questão – objeções – sed contra – resposta – réplica às objeções. Se queres ver como se faz teologia sistemática com clareza cristalina, abre a Summa Theologiae.

As cinco vias: provar Deus sem recorrer à Bíblia

Talvez o trecho mais famoso de toda a obra de Tomás. Na Summa Theologiae (I, q. 2, a. 3) apresenta cinco provas racionais da existência de Deus:

  1. O motor imóvel – tudo o que se move é movido por outro; tem de haver um primeiro motor não movido.
  2. A causa primeira – a cadeia de causas eficientes não pode regredir ao infinito.
  3. O ser necessário – os seres contingentes exigem um ser necessário por si mesmo.
  4. Os graus de perfeição – existe um máximo de bondade, verdade e ser.
  5. A ordem do universo – o governo teleológico do mundo aponta para uma inteligência ordenadora.

Estas vias continuam a ser debatidas hoje – e usadas por ateus como alvo e por crentes como arsenal.

Tomás e a política

Na esteira de Aristóteles, Tomás defende que o homem é por natureza um «animal político». O seu tratado De Regno ad Regem Cypri (Sobre o Reino, ao Rei de Chipre) é uma das primeiras teorias medievais do Estado. Defende a monarquia temperada por elementos aristocráticos e democráticos – ideia que influenciou profundamente o pensamento político português e espanhol, e por tabela o Brasil colonial.

Os últimos anos: o êxtase e a palha

Em dezembro de 1273, enquanto celebrava a Missa de São Nicolau na capela dominicana de Nápoles, Tomás tem uma experiência mística tão avassaladora que larga a pena. Ao secretário Reginaldo que insistia para continuar a Summa, responde:

«Reginaldo, já não posso mais. Tudo o que escrevi parece-me palha em comparação com o que vi».

Três meses depois, a caminho do Concílio de Lyon convocado pelo papa Gregório X, morre no mosteiro cisterciense de Fossanova, com apenas 49 anos. Canonizado em 1323, declarado Doutor da Igreja em 1567 e patrono das escolas católicas por Pio V, Leão XIII faria dele o filósofo oficial da Igreja com a encíclica Aeterni Patris (1879).

Tomás de Aquino no mundo de hoje

A influência é gigantesca:

  • A Declaração Universal dos Direitos Humanos bebe diretamente na concepção tomista de lei natural.
  • A doutrina social da Igreja (de Leão XIII a Francisco) tem raízes na visão tomista do bem comum.
  • Filósofos analíticos como Elizabeth Anscombe, Alasdair MacIntyre ou Peter Geach são neo-tomistas declarados.
  • Até o direito brasileiro, com a sua ênfase na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição de 1988), ecoa distantamente a antropologia tomista.

Perguntas Frequentes sobre Tomás de Aquino

Tomás de Aquino era gordo mesmo?
Sim. Era conhecido como “o boi siciliano”. Tinha de fazer um semicírculo especial na mesa do refeitório dominicano para caber a barriga.

Ele realmente acreditava que as mulheres tinham menos dentes que os homens?
Atribui-se-lhe essa frase citando Aristóteles, mas é provavelmente apócrifa. Tomás aceitava a ciência da época, mas sempre com cautela.

É verdade que ele levitou?
Há testemunhos no processo de canonização de que sim, em várias ocasiões. Acredite quem quiser.

Por que os protestantes rejeitam Tomás?
Muitos não rejeitam. Lutero chamou-o de “o mais cruel carrasco da Escritura”, mas anglicanos, luteranos conservadores e até alguns reformados redescobriram-no no século XX.

Qual é o melhor livro para começar a ler Tomás hoje?
Para iniciantes: Tomás de Aquino em 50 páginas de Francisco León Florido, ou o clássico Introdução a São Tomás de Aquino de G. K. Chesterton (disponível em português). Depois mergulhe na Questão 2 da Prima Pars – as Cinco Vias.

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