O pregador da Primeira Cruzada, o reformador gregoriano e o pontífice que colocou Jerusalém no centro do mundo medieval

“Deus vult!” – Deus o quer!
Com estas duas palavras, gritadas em Clermont a 27 de novembro de 1095, o papa francês Odo de Châtillon, mais conhecido como Urbano II, lançou a Europa numa aventura que duraria dois séculos e cujas ondas de choque ainda sentimos hoje.

Bem-vindo a mais um artigo profundo do Canal Fez História. Hoje vamos mergulhar na vida deste papa muitas vezes esquecido entre gigantes como Gregório VII e Inocêncio III, mas que foi, sem dúvida, um dos mais decisivos da Idade Média.

Quem foi Urbano II? Origens de um papa guerreiro

Nascido Odo de Lagery por volta de 1035 em Châtillon-sur-Marne, na região de Champagne, França, Urbano pertencia a uma família nobre de segundo escalão. Estudou em Reims sob a tutela de São Bruno e, mais importante, foi discípulo do grande reformador Agostinho de Hipona não diretamente, claro, mas através da tradição canónica que este santo moldou.

Em 1067 entrou para a célebre abadia de Cluny – o epicentro da Reforma e Contrarreforma monástica que varria a Europa. Tornou-se prior de Cluny e, mais tarde, em 1080, o papa Gregório VII chamou-o a Roma como cardeal-bispo de Óstia. Quando Gregório morreu exilado em Salerno, Odo estava ao seu lado. Quatro anos depois, em 1088, era eleito papa com o nome de Urbano II.

Se quiser saber mais sobre o contexto da Reforma Gregoriana, temos um artigo completíssimo aqui.

A Europa de 1095: Caos, fé e oportunidade

Quando Urbano II sobe ao trono de Pedro, a cristandade latina vive um paradoxo:

  • O Grande Cisma de 1054 ainda separa Roma de Constantinopla
  • O Império Bizantino está sob ameaça mortal dos turcos seljúcidas
  • Na Península Ibérica, a Reconquista avança lentamente
  • Na própria Itália, o papa mal controla Roma – o antipapa Clemente III, apoiado pelo imperador Henrique IV, ocupa parte da cidade

É neste cenário que chega a Constantinopla, em março de 1095, uma embaixada do imperador Aleixo I Comneno pedindo ajuda militar ocidental contra os turcos. Urbano viu ali a oportunidade perfeita: unir a cristandade dividida sob a sua liderança e, ao mesmo tempo, ajudar o irmão cristão do Oriente.

O Concílio de Clermont: o discurso que incendiou o mundo

A 27 de novembro de 1095, no campo aberto fora da cidade de Clermont (atual Clermont-Ferrand), Urbano II pronuncia aquele que é considerado um dos discursos mais consequentes da história.

Segundo o cronista Roberto, o Monge:

“Ó raça franca, raça escolhida por Deus… de vós mais do que de qualquer outra nação se espera a salvação dos cristãos… Que vos mova a glória e a grandeza de Jerusalém… Quem aqui morrer, seja no caminho ou no mar, ou em batalha contra os pagãos, terá imediatamente remissão de todos os seus pecados.”

No final, a multidão explode: Deus lo volt! – Deus o quer! (em occitano antigo). Nasce assim o grito de guerra das cruzadas.

Quer ouvir o discurso completo reconstruído? Temos um vídeo incrível no nosso YouTube – inscreva-se já!

As Cruzadas: sonho ou pesadelo?

A Cruzada Popular (1096)

Antes mesmo da cruzada oficial, multidões lideradas por Pedro, o Eremita, e Gualterio Sem-Haveres partem para o Oriente. Resultado: quase todos massacrados na Ásia Menor. Um alerta do que estava por vir.

A Primeira Cruzada (1096-1099)

Com líderes como Godofredo de Bulhão, Raimundo de Tolosa, Boemundo de Tarento e Roberto da Normandia, esta sim chega a Jerusalém. A 15 de julho de 1099, a cidade é tomada num banho de sangue que chocou até os cronistas muçulmanos.

Urbano II morre a 29 de julho de 1099 – duas semanas depois da tomada de Jerusalém, sem nunca saber do sucesso da sua empreitada.

Urbano II e a Reforma da Igreja

Não foi só cruzada. Urbano II foi um dos grandes papas reformadores:

  • Continuou a luta contra a simonia e o nicolaísmo (casamento de clérigos)
  • Reforçou a celibato clerical
  • Excomungou novamente o rei Filipe I de França por adultério
  • Tentou (sem muito sucesso) reconciliar-se com o imperador bizantino

Legado: herói ou vilão?

Para alguns, Urbano II é o grande unificador da cristandade medieval. Para outros, é o responsável por séculos de guerra religiosa e pelo trauma ainda vivo entre Ocidente e Islão.

O que é inegável:

  • Criou o conceito de “guerra santa” católica
  • Elevou o papado ao estatuto de potência militar
  • Deu início ao fenómeno cruzadista que marcaria os séculos XII e XIII
  • Preparou o terreno para o apogeu do poder papal com Inocêncio III

Perguntas Frequentes sobre Papa Urbano II

Urbano II realmente prometeu o paraíso a quem morresse na cruzada?

Sim. Foi a primeira vez na história que um papa concedeu indulgência plenária (perdão total dos pecados) a combatentes leigos.

Ele era francês? Por que falava occitano?

Sim, nasceu no reino de França. O grito “Deus vult” foi traduzido para latim pelos cronistas, mas o original occitano era “Deus lo volt”.

Urbano II odiava os muçulmanos?

Não há evidência disso. O discurso dele fala mais em libertar cristãos orientais e recuperar o Santo Sepulcro do que em ódio religioso puro. A violência extrema veio depois, muitas vezes contra a vontade papal.

Por que ele nunca viu Jerusalém reconquistada?

Morreu exatamente 14 dias depois da tomada da cidade, antes que as notícias chegassem a Itália.

Qual a relação de Urbano II com Pedro Abelardo, São Bernardo de Claraval e outros gigantes?

Foi durante o seu pontificado que Bernardo nasceu (1090) e Abelardo começou a estudar. Urbano plantou as sementes intelectuais e espirituais que floresceriam no século XII.

Um papa que ainda nos interroga

Urbano II foi um homem do seu tempo – profundamente medieval – mas com uma visão que ultrapassava fronteiras. Queria unir a cristandade, recuperar Jerusalém, reformar a Igreja. Conseguiu tudo isso… e muito mais do que pretendia.

Hoje, quase mil anos depois, ainda debatemos: foi um visionário ou um fanático? Foi um papa santo ou um político implacável?

A resposta, como sempre na história, não é preto no branco.

Se gostou deste mergulho profundo na vida de Urbano II, não deixe de:

  • Visitar a página dedicada ao papa no nosso site: Papa Urbano II
  • Conferir o nosso artigo sobre as Cruzadas (1096-1291)
  • Subscrever o canal no YouTube – estamos quase a lançar uma série completa sobre as Cruzadas!
  • Seguir-nos no Instagram e no Pinterest para mapas, infográficos e muito mais

E, claro, voltar sempre ao Canal Fez História – o seu portal para entender o passado e decifrar o presente.

Deus vult? Talvez não.
Mas a história, essa, quis que assim fosse.

Até ao próximo artigo! ✍️