Johannes Gutenberg não inventou a imprensa, mas criou a primeira máquina de tipos móveis na Europa ocidental que tornou o livro barato, rápido e em massa. Descubra aqui a vida do ourives de Mainz, como a Bíblia de 42 linhas mudou o mundo e por que, sem ele, talvez não tivéssemos Renascimento, Reforma Protestante nem Revolução Científica.
Um ourives de Mainz que mudou o curso da História
Imagine o mundo em 1450. Um livro custava o equivalente ao salário anual de um artesão qualificado. A Bíblia era copiada à mão por monges durante meses. A informação circulava lentamente, quase sempre sob o controlo da Igreja e das elites. De repente, entre 1452 e 1455, nas oficinas de Mainz, no Sacro Império Romano-Germânico, um homem chamado Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg conseguiu imprimir cerca de 180 exemplares da Bíblia em latim em apenas três anos. O preço caiu tanto que até um comerciante abastado podia comprar um. Esse foi o Big Bang da comunicação humana.
Neste artigo vamos conhecer a vida desse genial ourives, a tecnologia revolucionária que criou, o impacto brutal que teve na Renascença c. 1300-1600, na Reforma Protestante e Contrarreforma 1517, no Iluminismo c. 1715-1789 e, em última análise, na própria construção da modernidade que vivemos hoje.
Quem foi Johannes Gutenberg? Os anos obscuros antes da fama
Johannes Gutenberg nasceu entre 1394 e 1400 (a data exata é incerta) em Mainz, cidade livre do Sacro Império. Filho de um comerciante rico e de uma mulher de família nobre, cresceu num ambiente de privilégios relativos, mas também de tensões políticas. Em 1411 a família foi expulsa da cidade devido a revoltas entre patrícios e artesãos. Refugiaram-se em Estrasburgo, onde o jovem Gutenberg aprendeu o ofício de ourives e polidor de pedras.
Entre 1434 e 1444 viveu em Estrasburgo e já se dedicava a projetos “secretos”. Documentos da época falam de um “empreendimento que traria grande lucro”. Provavelmente já experimentava prensas e tipos móveis. Em 1448 regressou a Mainz e, em 1450, conseguiu um empréstimo de 800 gulden do rico negociante Johannes Fust para montar a oficina que mudaria tudo.
“A arte de imprimir será a mãe de todas as artes liberais.”
– Frase atribuída a Gutenberg (embora sem prova documental)
A invenção que não foi exatamente uma invenção
É comum ouvir-se que Gutenberg “inventou a imprensa”. Não é bem assim. Os chineses já usavam tipos móveis de cerâmica desde o século XI (Bi Sheng, 1040) e os coreanos tinham tipos metálicos desde 1234. Na Europa, os holandeses experimentavam xilografia (blocos inteiros de madeira). O que Gutenberg fez foi combinar três tecnologias já existentes de forma genial:
- Tipos móveis metálicos fundidos em liga de chumbo, antimónio e estanho – duráveis e reutilizáveis.
- Prensa adaptada da prensa de uvas – permitia pressão uniforme.
- Tinta oleosa (em vez de aquosa) que aderisse ao metal e ao papel.
Resultado: cada página podia ser composta rapidamente, impressa milhares de vezes e depois desmontada para novas composições. Era a produção em série do conhecimento.
A Bíblia de Gutenberg: a obra-prima que quase o arruinou
Entre 1452 e 1455, Gutenberg e o seu colaborador Peter Schöffer imprimiram cerca de 180 exemplares da Bíblia em latim (Vulgata), em duas colunas, 42 linhas por página – por isso chamada Bíblia de 42 linhas. Cada volume tinha 1286 páginas em papel ou pergaminho. Hoje sobrevivem apenas 49 exemplares (22 completos), alguns avaliados em dezenas de milhões de dólares.
Mas o projeto custou muito mais do que o previsto. Em 1455 Johannes Fust processou Gutenberg por desvio de fundos e ficou com a oficina, as prensas e quase todos os exemplares da Bíblia. Gutenberg ficou na miséria. Morreu cego e pobre em 3 de fevereiro de 1468. Só em 1465 o arcebispo de Mainz lhe concedeu uma pensão honorífica como “gentilhomme de la cour”.
O impacto imediato: a explosão do livro impresso
- 1450: praticamente não existiam livros impressos na Europa.
- 1500: já circulavam entre 15 e 20 milhões de exemplares de cerca de 40 000 títulos diferentes.
Cidades como Veneza, Paris, Antuérpia, Lyon e Basileia tornaram-se centros de impressão. Em 1480 já havia oficinas em mais de 250 cidades europeias.
Consequências diretas da imprensa de Gutenberg
| Área | Antes da imprensa | Depois da imprensa |
|---|---|---|
| Acesso ao conhecimento | Apenas clero e nobreza | Burguesia, artesãos, mulheres cultas |
| Línguas | Quase tudo em latim | Explosão de livros em vernáculo (alemão, francês, português…) |
| Reforma Protestante | Difícil difundir ideias novas | Lutero imprimiu 300 000 exemplares das 95 teses em 2 anos |
| Ciência | Manuscritos raros e cheios de erros | Padronização de textos (ex. Copérnico, Vesalius) |
| Literatura | Obras épicas copiadas à mão | Surgimento do romance moderno |
Se quiser aprofundar como a imprensa alimentou a Reforma e Contrarreforma, veja o artigo completo aqui no site.
Gutenberg e o Renascimento: a ferramenta perfeita na hora perfeita
O Renascimento italiano já estava em curso quando a imprensa chegou ao sul dos Alpes em 1465 (Subiaco). Mas foi a combinação livro impresso + humanismo que criou a tempestade perfeita. Obras de Platão, Aristóteles, Cícero e Virgílio, antes disponíveis em poucos mosteiros, passaram a circular em centenas de exemplares. Em 1501 a editora de Aldus Manutius em Veneza lançou os famosos “livrinhos octavo” – edições baratas e portáteis que os estudantes podiam levar no bolso.
A Bíblia em língua vulgar e a revolução religiosa
Martinho Lutero traduziu o Novo Testamento em apenas 11 semanas em 1522. Entre 1522 e 1546 foram impressas mais de 500 000 Bíblias em alemão. Pela primeira vez o camponês podia ler (ou ouvir ler) a Escritura na sua própria língua. A imprensa tornou possível a Reforma Protestante em escala continental.
Gutenberg e a Revolução Científica
Copérnico hesitou 30 anos antes de publicar De revolutionibus (1543). Quando o fez, fê-lo em forma impressa. O mesmo aconteceu com Vesalius (De humani corporis fabrica, 1543), Galileu, Kepler, Newton. A possibilidade de corrigir erros em novas edições e de difundir rapidamente descobertas foi essencial para o método científico moderno.
Gutenberg no Brasil e na América Portuguesa
Embora a primeira imprensa só tenha chegado ao Brasil em 1808 com a Corte portuguesa, a influência de Gutenberg já se fazia sentir muito antes. Os jesuítas traziam livros impressos da Europa para as missões. O Primeiro Livro Impresso no Brasil foi a “Relação da Entrada de D. João VI” em 1808. Mas os almanaques, catecismos e folhetos religiosos impressos na Europa circulavam no século XVII e XVIII. A semente estava plantada.
Perguntas Frequentes sobre Johannes Gutenberg
Gutenberg inventou mesmo a imprensa?
Não. Os chineses inventaram tipos móveis no século XI e os coreanos tipos metálicos no XIII. Gutenberg criou o primeiro sistema viável em escala industrial na Europa ocidental.
Quantas Bíblias de Gutenberg existem hoje?
49 exemplares conhecidos (22 completos). Um deles foi vendido em 1987 por 5,4 milhões de dólares.
Por que Gutenberg morreu pobre?
Porque o seu sócio Johannes Fust ganhou o processo judicial e ficou com a oficina e as prensas.
Qual foi o primeiro livro impresso com tipos móveis na Europa?
A Bíblia de 42 linhas (1455). Antes dela existem apenas pequenos testes e indulgências.
A imprensa acabou com a Idade Média?
Muitos historiadores consideram a imprensa (junto com a tomada de Constantinopla em 1453 e a descoberta da América em 1492) como um dos três eventos que marcam o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna.
O legado invisível que usamos todos os dias
Hoje, quando abrimos um livro, um jornal, ou mesmo este artigo no ecrã do telemóvel, estamos a usufruir da revolução iniciada por um ourives de Mainz há quase 600 anos. Gutenberg não viveu para ver o mundo que criou, mas talvez seja justo assim: as maiores revoluções são aquelas cujos autores desaparecem atrás da própria obra.
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