A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento. Foi a maior revolução social do século XX.
Em 1960, quando a primeira pílula anticoncepcional oral chegou ao mercado norte-americano, ninguém imaginava que um biólogo judeu nascido em Nova Jersey, formado em Harvard e praticamente expulso da universidade por estudar reprodução, acabaria por influenciar mais a história contemporânea do que muitos presidentes ou generais. Gregory Goodwin Pincus (1903-1967) foi esse homem.
Primeiros Anos: Um Rapaz de Woodbine com Sonhos Grandes
Gregory Pincus nasceu a 9 de abril de 1903 numa colónia agrícola judaica em Woodbine, Nova Jersey. O pai, Joseph, era agrónomo; a mãe, Elizabeth Lipman, professora. Desde cedo, Pincus mostrou fascínio pela biologia. Entrou na Cornell University em 1920 e, quatro anos depois, já tinha mestrado e doutoramento em Harvard — com apenas 24 anos!
Em Harvard, começou a trabalhar com reprodução de mamíferos. Em 1934 conseguiu algo que chocou o mundo: fertilização in vitro em coelhos. Os jornais chamaram-lhe “criador de bebés sem pais”. A universidade, assustada com a polémica, negou-lhe tenure. Pincus foi praticamente corrido. Mas, como veremos, esse foi o primeiro de muitos obstáculos que só o tornaram mais determinado.
O Exílio Académico e a Fundação da Worcester Foundation
Sem lugar nas grandes universidades, Pincus aceitou um modesto cargo de professor visitante em Clark University. Em 1944, com a ajuda do fisiologista Hudson Hoagland, fundou o que viria a ser o seu grande laboratório: a Worcester Foundation for Experimental Biology, em Shrewsbury, Massachusetts. Era um espaço independente, financiado por donativos privados — o que lhe deu liberdade total para investigar temas “proibidos”.
Foi nesse laboratório que, anos mais tarde, nasceria a pílula.
1951: O Encontro que Mudou Tudo
Em 1951, Margaret Sanger — a lendária ativista do controlo de natalidade e fundadora da Planned Parenthood — marcou um almoço com Pincus. Tinha 72 anos, ele 48. Sanger disse-lhe uma frase que ficou famosa:
“Dr. Pincus, as mulheres precisam de uma pílula que possam tomar como aspirina. Pode fazer isso?”
Pincus respondeu: “Posso tentar.”
Sanger apresentou-lhe Katharine McCormick, viúva do herdeiro da International Harvester, uma das mulheres mais ricas dos EUA e apaixonada pela causa feminista. McCormick financiou o projeto com milhões de dólares (valores astronómicos na época) sem pedir nada em troca, exceto resultados.
A Equipa dos Sonhos
Pincus montou um trio de génios:
- Ele próprio (esteroides e reprodução)
- Min Chueh Chang, brilhante biólogo chinês que dominava ovulação em animais
- John Rock, ginecologista católico de Boston que testaria a pílula em mulheres
A colaboração entre um judeu ateu, um chinês protestante e um católico devoto foi tão improvável quanto eficaz.
Os Primeiros Testes (e os Coelhos que Merecem uma Estátua)
Entre 1952 e 1956, Chang fez milhares de experiências com coelhos e ratos. Descobriram que a progesterona sintética (norethindrone, criada por Carl Djerassi na Syntex, e depois o norethynodrel da Searle) inibia a ovulação de forma reversível. Era exatamente o que procuravam.
Em 1956 começaram os testes clínicos em humanos — primeiro em Porto Rico (porque lá as leis permitiam) e depois em Haiti e México. Mais de 6000 mulheres participaram. Os resultados foram impressionantes: eficácia próxima dos 100% quando tomada corretamente.
A 23 de junho de 1960, a FDA aprovou o Enovid (da G.D. Searle) como anticoncepcional oral. Nasceu a Pílula.
Impacto Social: Muito Mais que Controlo de Natalidade
A pílula fez pela emancipação feminina o que a Revolução Industrial c.1760-1840 fez pela produção de bens. Pela primeira vez na história da humanidade, as mulheres ganharam controlo total sobre a sua fertilidade.
- Entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho (anos 60-70)
- Atraso da idade do casamento e do primeiro filho
- Diminuição da mortalidade materna
- Revolução sexual (embora nem sempre se fale do lado negro: aumento de DSTs)
- Mudança de leis (nos EUA, só em 1972 casadas e solteiras passaram a ter acesso legal em todos os estados)
Hoje, mais de 100 milhões de mulheres usam a pílula no mundo. É o medicamento mais estudado da história.
Controvérsias e Ataques
Pincus não viveu para ver tudo isso. Morreu a 22 de agosto de 1967, com apenas 64 anos, vítima de mielofibrose (provavelmente causada pela exposição a benzeno no laboratório).
Mas as controvérsias continuaram:
- A Igreja Católica condenou a pílula na encíclica Humanae Vitae (1968)
- Grupos feministas criticaram os primeiros testes em Porto Rico (mulheres pobres usadas como cobaias)
- Efeitos secundários (tromboses) levaram a reformulações constantes
Mesmo assim, ninguém nega: foi um marco civilizacional.
Outras Descobertas de Pincus que Pouca Gente Conhece
Além da pílula, Pincus:
- Demonstrou a partenogénese em mamíferos (1939)
- Criou o primeiro ovo fertilizado in vitro de coelho (1934)
- Estudou o efeito do stress nas supra-renais (trabalhos fundamentais para o cortisol)
- Ajudou a desenvolver tratamentos para endometriose e cancro da mama
Perguntas Frequentes sobre Gregory Pincus e a Pílula
Quem realmente inventou a pílula?
Foi um trabalho de equipa. Pincus coordenou, Chang fez a parte animal, Rock testou em humanos, Djerassi e Luis Miramontes sintetizaram a norethindrone no México. Mas Pincus é considerado o “pai” porque transformou a ideia em realidade.
Pincus ganhou o Nobel?
Não. Nunca foi nomeado. Diz-se que o comité de Estocolmo tinha medo da polémica religiosa.
A pílula foi testada primeiro em homens?
Sim! Em 1957, Pincus testou progesterona em prisioneiros de Massachusetts. Funcionou… mas os efeitos secundários (diminuição da libido, atrofia testicular) tornaram-na inviável.
Porque Porto Rico?
Tinha alta densidade populacional, muitas mulheres pobres dispostas a participar, e o governador era favorável ao controlo populacional.
Pincus era feminista?
Não no sentido moderno. Ele dizia que o seu objetivo era “dar às mulheres liberdade reprodutiva”. Mas era um cientista puro — pouco se importava com política.
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Porque a história não é só passado. É o que nos torna quem somos.
Gregory Goodwin Pincus não salvou vidas. Deu-nos a liberdade de escolher quando trazê-las ao mundo.
E isso, meus amigos, mudou tudo.
















