Diante de um quadro em que se pode contemplar a situação da modernização brasileira até os anos 1950 — robusta e moderna, de um lado, e selvagem, excludente e arcaica, de outro —, a ditadura militar era a moldura que faltava para tornar a visão do quadro ainda mais kitsch e deprimente.
A ditadura militar no Brasil se estendeu de 1964 a 1984. Durante o período, sucederam-se no poder os seguintes presidentes (ordem cronológica): Castelo Branco (1964-1967); Costa e Silva (1967-1969); Emílio Médici (1969-1974); Ernesto Geisel (1974-1979); e João Figueiredo (1979-1984).
Uma semana após o golpe, para institucionalizá-lo, o regime militar publica o Ato Institucional Número 1, em 9 de abril de 1964, que trazia as seguintes justificativas: “Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la apenas na parte relativa aos poderes do presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas.”
Em 1967, como no Brasil tudo sempre começa do zero, houve a outorga de uma nova Constituição em substituição à de 1946. A nova Constituição proibia a organização partidária e impunha eleições indiretas para presidente. Além disso, concentrava poderes no Executivo. Esse era apenas o início; o recrudescimento da ditadura militar seria, nos anos seguintes, aperfeiçoado por sucessivos atos institucionais.
Passado, porém, o impacto inicial, começam a surgir focos de resistência à truculência e ao autoritarismo do regime militar. A maioria dos políticos, cujos nomes tinham prestígio — como João Goulart, Brizola e JK — e que estavam exilados, iniciaram uma tentativa de organização de uma resistência ao golpe a partir do exílio. No Brasil, o regime militar teve de enfrentar greves, manifestações, passeatas e até mesmo um movimento de resistência armada. Diante dessa reação de parte da sociedade contra o golpe, o regime baixa o mais repressivo de todos os atos institucionais: o AI-5 (13 de dezembro de 1968), em que se pode ler:
Art. 2º — O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República.
Art. 3º — O presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
Art. 4º — No interesse de preservar a Revolução, o presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
I — Cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II — Suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III — proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV — Aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de frequentar determinados lugares;
c) domicílio determinado.
Art. 6º — Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo. § 1º — O presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
Art. 7º — O presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
Art. 10º — Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
O AI-5 era devastador. Delegava ao presidente da República plenos poderes para cassar mandatos e suspender direitos políticos, decretar intervenção federal em estados e municípios, decretar recesso do Congresso por tempo indeterminado, assumindo assim as prerrogativas do Legislativo, entre outras arbitrariedades. A suspensão do habeas corpus para crimes políticos permitia a intervenção, censura e empastelamento de qualquer meio de imprensa que julgassem oposicionista ao regime militar. Intelectuais e artistas foram punidos por ter suas obras e liberdade de expressão tomadas como subversivas, e vários tiveram que se exilar. Era mais uma vez o conservadorismo, o fisiologismo e o estamento cobrindo com seu manto obscuro a sociedade brasileira.