De 29 de outubro de 1945 a 31 de janeiro de 1946, o Brasil viveu um dos períodos de transição mais delicados da sua história. O homem que assumiu o Palácio do Catete depois da deposição de Getúlio Vargas não era político, nem militar, nem revolucionário. Era um magistrado mineiro de 59 anos, presidente do Supremo Tribunal Federal: José Linhares.
Quem foi José Linhares?
Nascido a 28 de janeiro de 1886 em Baturité, interior do Ceará (e não em Minas, como muitos pensam), José Linhares formou-se em Direito em 1908 no Rio de Janeiro, então capital federal. Entrou jovem na magistratura, subiu todos os degraus e, em 1940, foi indicado por Getúlio Vargas para o STF. Cinco anos depois, o destino colocaria esse juiz discreto, católico praticante e avesso à política partidária, no centro do furacão que derrubou o Estado Novo.
Se quiser conhecer outros presidentes que também assumiram em momentos de ruptura, veja as biografias completas de Café Filho, Nereu Ramos, Ranieri Mazzilli, Itamar Franco ou até da Junta Governativa Provisória de 1930 e da Junta Governativa Provisória de 1969.
O contexto: o fim do Estado Novo
A 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas foi deposto por um golpe militar incruento. O medo de uma “gauchisation” do regime, a pressão das Forças Armadas e a vontade de eleições livres levaram os generais Pedro Aurélio de Góis Monteiro e Eduardo Gomes a agir. Vargas, que governava desde 1930 (com interrupção democrática entre 1934-1937), saiu do Catete sem resistência.
O problema: quem assumiria o poder até as eleições marcadas para 2 de dezembro?
A Constituição de 1937 (outorgada pelo próprio Getúlio) não previa claramente a sucessão em caso de deposição. O presidente do STF era, por tradição e por lei, o terceiro na linha sucessória. Assim, José Linhares foi acordado de madrugada e conduzido ao palácio para tomar posse imediatamente.
Os 94 dias que mudaram o Brasil
1. Restauração das liberdades democráticas
No dia seguinte à posse, Linhares extinguiu o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), devolveu a liberdade de imprensa, libertou presos políticos (entre eles Luís Carlos Prestes) e marcou eleições presidenciais e para o Congresso Constituinte.
2. A eleição de 2 de dezembro de 1945
Pela primeira vez em 15 anos, o Brasil votava livremente para presidente. Os candidatos:
- General Eurico Gaspar Dutra (PSD-PTB, apoiado pelo próprio Getúlio)
- Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN)
- Yedo Fiúza (PCB, com apoio indireto de Prestes)
- Mário Rolim Teles (pequeno partido)
Dutra venceu com 55% dos votos. Linhares manteve absoluta neutralidade – fato elogiado até por adversários.
3. A promulgação da Constituição de 1946
Em 18 de setembro de 1946 (já sob Dutra), foi promulgada a nova Carta, mas quem a recebeu pronta foi o governo de transição de Linhares. Ele garantiu que a Assembleia Constituinte trabalhasse sem interferências do Executivo.
4. Outras medidas importantes
- Extinção do Tribunal de Segurança Nacional
- Restabelecimento do habeas corpus pleno
- Anistia ampla a presos políticos de esquerda e direita
- Convocação de eleições para governadores e assembleias estaduais
Curiosidades que quase ninguém conta
- José Linhares foi o único presidente brasileiro nascido no Ceará até hoje.
- Assumiu o cargo sem discurso de posse – apenas leu o termo de compromisso.
- Devolveu a faixa presidencial a Dutra exatamente às 12h do dia 31 de janeiro de 1946, com pontualidade britânica.
- Nunca se filiou a partido político, antes ou depois da presidência.
- Recusou qualquer salário extra ou vantagem pelo cargo de presidente interino.
Por que José Linhares é pouco lembrado?
Porque fez exatamente o que se esperava de um juiz: cumpriu a lei, garantiu a transição pacífica e saiu de cena. Não fundou partidos, não criou slogans, não perseguiu adversários, não deu entrevistas bombásticas. Foi o “anti-populista” numa era de líderes carismáticos.
Comparando com outros presidentes provisórios:
- Café Filho ficou 1 ano e 3 meses
- Nereu Ramos ficou 2 meses e meio
- Ranieri Mazzilli ficou 13 dias em 1961 e 15 dias em 1964
- Linhares: apenas 94 dias – e mudou o país.
Linhares e a redemocratização: um paralelo com outras transições
A atuação serena de Linhares lembra outros momentos em que o Judiciário garantiu a passagem pacífica do poder:
- Itamar Franco após o impeachment de Collor em 1992
- Michel Temer após o impeachment de Dilma em 2016
- Até mesmo Pedro Aleixo, que seria o vice constitucional em 1969, mas foi impedido pela junta militar.
Cronologia resumida do governo José Linhares
- 29 out 1945 – Deposição de Getúlio Vargas
- 30 out 1945 – Posse de José Linhares
- 31 out 1945 – Extinção do DIP
- 2 dez 1945 – Eleição presidencial (vitória de Dutra)
- 18 set 1946 – Promulgação da Constituição (já com Dutra empossado)
- 31 jan 1946 – Transmissão do cargo a Eurico Gaspar Dutra
Perguntas Frequentes sobre José Linhares
José Linhares foi um presidente golpista?
Não. Ele assumiu dentro da linha sucessória prevista e entregou o poder ao presidente eleito democraticamente.
Por que ele não se candidatou em 1945?
Porque era magistrado de carreira e a Constituição de 1937 (ainda em vigor) vedava a candidatura de quem exercia cargo no Judiciário.
Qual foi a maior conquista do seu governo?
Ter conduzido a transição do Estado Novo para a democracia sem derramamento de sangue e com eleições livres – algo raríssimo na América Latina da época.
Ele teve alguma ligação com Getúlio depois?
Nenhuma. Voltou ao STF e aposentou-se em 1956. Morreu em 26 de janeiro de 1957, aos 70 anos, em Caxambu-MG.
O magistrado que salvou a democracia brasileira
Num país marcado por golpes, revoluções e presidentes que não largam o osso, José Linhares é uma exceção gloriosa: entrou sem querer, governou com sobriedade, saiu no prazo combinado e nunca mais quis saber de política.
Talvez seja exatamente por isso que merece ser mais lembrado.
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