“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.”
— Adam Smith, A Riqueza das Nações (1776)

Poucos livros mudaram tanto a história da humanidade como Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações. Publicado em 1776 — o mesmo ano da Revolução Americana (1775-1783) e treze anos antes da Revolução Francesa (1789-1799) —, o tratado de Adam Smith tornou-se a pedra angular do pensamento económico liberal e, quer gostemos ou não, continua a ser a base silenciosa de quase todas as discussões atuais sobre capitalismo, globalização e liberdade económica.

Quem foi Adam Smith? Uma vida entre a Escócia e a Europa das Luzes

Nascido a 5 de junho de 1723 em Kirkcaldy, uma pequena cidade portuária escocesa, Adam Smith foi batizado (a data exata do nascimento perdeu-se). Órfão de pai antes mesmo de nascer, foi criado pela mãe, Margaret Douglas, numa família modesta mas culta.

Aos 14 anos ingressou na Universidade de Glasgow, onde teve como mestre Francis Hutcheson, o grande defensor da ideia de que o ser humano possui um “sentido moral” inato. Mais tarde, em Oxford, Smith detestou o ensino rígido e dedicou-se a ler sozinho na biblioteca de Balliol College. Regressou à Escócia em 1751 para ocupar a cadeira de Lógica e, depois, de Filosofia Moral em Glasgow.

Foi nesta época que publicou a sua primeira grande obra: A Teoria dos Sentimentos Morais (1759), um livro que muitos esquecem quando falam apenas da “mão invisível”. Nele, Smith explica como a simpatia — a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro — é o verdadeiro cimento das sociedades humanas. Contrariando Hobbes, Smith acreditava que o homem não é apenas egoísta; é também capaz de benevolência e justiça.

A Viagem que Mudou Tudo: O Grand Tour e a Fisiocracia Francesa

Entre 1764 e 1766, Smith acompanhou, como tutor, o jovem duque de Buccleuch numa viagem pelo continente. Em Toulouse, Genebra e sobretudo em Paris, conheceu os fisiocratas — Quesnay, Turgot, Mirabeau pai — e, mais importante, travou amizade com David Hume, Voltaire e D’Alembert. Foi em Paris que Smith começou a redigir os primeiros capítulos do que viria a ser A Riqueza das Nações.

A influência francesa é visível: a crítica ao mercantilismo, a defesa da liberdade de comércio, a ideia de que a riqueza de uma nação não está no ouro acumulado (como pensavam os mercantilistas) mas na capacidade de produzir bens úteis através do trabalho.

A Mão Invisível: O Conceito que Todo o Mundo Cita (e Poucos Entendem)

A expressão aparece apenas uma vez em A Riqueza das Nações:

“Ao preferir apoiar a indústria doméstica em vez da estrangeira, [o indivíduo] apenas tem em vista o seu próprio interesse; e ao dirigir essa indústria de modo a que o seu produto tenha o máximo valor, ele apenas tem em vista o seu próprio ganho, e é nisso, como em muitos outros casos, levado por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte da sua intenção.”

Não é magia. É simplesmente a constatação de que, quando cada um procura o seu próprio interesse num mercado livre, os recursos tendem a ser alocados de forma mais eficiente do que qualquer plano central conseguiria fazer.

Os Três Pilares do Pensamento de Smith

  1. Divisão do Trabalho
    O famoso exemplo da fábrica de alfinetes: um trabalhador sozinho mal consegue fazer um alfinete por dia; dez trabalhadores especializados produzem dezenas de milhares. A divisão do trabalho é a verdadeira fonte do aumento da produtividade.
  2. Liberdade de Comércio
    Smith atacou frontalmente o mercantilismo — o sistema que dominava desde o século XVI, baseado em protecionismo, monopólios reais e companhias privilegiadas (como a Companhia das Índias Orientais). Para ele, o comércio devia ser livre tanto dentro como entre nações.
  3. O Papel Limitado do Estado
    O Estado deve limitar-se a três funções:
  • Defesa nacional
  • Justiça
  • Obras públicas e instituições que o mercado sozinho não fornece (educação, infraestruturas)

Adam Smith e o Iluminismo Escocês

Smith pertenceu à mesma geração de David Hume, Adam Ferguson, John Millar e William Robertson — o chamado Iluminismo Escocês. Enquanto os franceses se perdiam em debates metafísicos, os escoceses dedicaram-se ao estudo concreto das sociedades humanas e da sua evolução histórica. É por isso que Smith é muitas vezes considerado o primeiro verdadeiro sociólogo económico.

As Críticas (e os Mal-Entendidos) que Smith Ainda Sofre

  • “Smith defendeu o egoísmo”
    Falso. Em Teoria dos Sentimentos Morais ele mostra que a simpatia é essencial. O egoísmo é apenas o motor; a moralidade é o travão.
  • “Smith era a favor do laissez-faire absoluto”
    Também falso. Smith defendia regulação em vários domínios: bancos, educação pública, impostos progressivos e até a proibição do tráfico de escravos.
  • “O neoliberalismo é filho direto de Smith”
    Não exatamente. Os neoliberais de Chicago (Friedman, Hayek) foram muito mais radicais do que Smith alguma vez sonhou ser.

O Legado em Números e Factos

  • A Riqueza das Nações foi traduzida para português já em 1811-1812, sendo um dos primeiros livros de economia editados no Brasil.
  • Inspirou diretamente a política de livre-câmbio britânica a partir de 1846 (revogação das Corn Laws).
  • Influenciou a Constituição americana (James Madison leu Smith atentamente).
  • Está na origem do PIB como indicador (através da ideia de que a riqueza é o fluxo anual de bens e serviços).

Adam Smith Hoje: Ainda Faz Sentido?

Num mundo de desigualdade crescente, crises climáticas e big techs que concentram poder como nunca as companhias mercantilistas do século XVIII, reler Adam Smith é mais urgente do que nunca.

Perguntamo-nos:

  • Será que a “mão invisível” funciona quando o mercado é dominado por monopólios digitais?
  • Como conciliar liberdade económica com justiça social?
  • O que diria Smith sobre o rendimento básico universal ou a taxação das grandes fortunas?

Talvez a resposta esteja no próprio Smith: o mercado livre só funciona quando existe um quadro moral sólido e instituições que garantam competição real e proteção dos mais fracos.

Perguntas Frequentes sobre Adam Smith

Adam Smith era capitalista?

O termo “capitalismo” só foi cunhado em 1854 por Marx. Smith nunca usou a palavra. Ele era um defensor da “economia de mercado” com fortes reservas morais e institucionais.

Smith defendia o salário mínimo?

Sim! No Livro I, cap. 8 de A Riqueza das Nações, escreve que os trabalhadores devem receber salários suficientes para viver com dignidade e criar os filhos.

Qual é a melhor edição em português para começar?

A edição da Fundação Calouste Gulbenkian (tradução de 2016) ou a clássica da Editora Nova Cultural (coleção Os Economistas).

Onde posso saber mais sobre o Iluminismo e o contexto da época?

Veja os nossos artigos sobre o Iluminismo (c. 1715-1789) e a Revolução Industrial (c. 1760-1840).

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