“Não sigas o caminho onde já passou alguém. Vai, em vez disso, onde não há caminho e deixa um trilho.”
Uma frase que muitos atribuem a Nietzsche, mas que ecoa diretamente da alma de Zaratustra.
Bem-vindo ao maior mergulho já feito em língua portuguesa sobre uma das figuras mais revolucionárias da história da humanidade: Zaratustra (ou Zoroastro, em grego). Neste artigo de mais de 4500 palavras, vamos atravessar continentes, milénios e civilizações para entender quem foi este homem que, antes mesmo de Sidarta Gautama, Confúcio, Lao Zi ou Jesus, ousou proclamar que o Universo é um campo de batalha moral entre a Luz e as Trevas – e que cada ser humano tem o dever de escolher um lado.
Quem foi Zaratustra? Cronologia e Contexto
Zaratustra (em avéstico: Zaraϑuštra) viveu provavelmente entre 1500 e 1000 a.C., na região da actual Ásia Central – possivelmente no leste do actual Irão ou no sul do actual Afeganistão/Tajiquistão. Ele é o fundador do zoroastrismo, a primeira religião monoteísta ética conhecida da história, que influenciou diretamente o judaísmo, o cristianismo e o islão.
Para percebermos a dimensão do seu feito, basta lembrar que, na mesma época, o mundo ainda era dominado por politeísmos violentos:
- Na Civilização do Vale do Indo (c. 3300-1300 a.C.), cultuavam-se deuses ligados à fertilidade e animais.
- No Antigo Egipto – Antigo Império (c. 2686-2181 a.C.), o faraó era um deus vivo.
- Na Civilização Minoica (c. 2700-1450 a.C.), touros sagrados e deusas-mães.
- Na Suméria (c. 4500-1900 a.C.), um panteão de milhares de deuses caprichosos.
E eis que surge um homem que diz: há apenas um Deus sábio, Ahura Mazda, o Senhor Sapiencial, e que a criação inteira é boa – mas está sob ataque de uma força destrutiva, Angra Mainyu (Ahriman). O ser humano não é escravo dos deuses. Ele é co-criador.
A Revolução Teológica: Do Politeísmo ao Dualismo Ético
Zaratustra não inventou o monoteísmo absoluto (Ahura Mazda tem um adversário cósmico), mas criou o dualismo ético mais antigo que conhecemos:
“Através das suas acções, pensamentos e palavras – boas ou más – o homem escolhe entre as duas forças primordiais.”
Esta ideia é tão poderosa que atravessa séculos e chega até nós. Quando Moisés sobe o Sinai, quando Isaías fala de luz e trevas, quando Jesus fala do joio e do trigo – tudo isso tem ecos directos do Gatha, os hinos compostos pelo próprio Zaratustra.
Os Gathas: A Voz Direta do Profeta
Os Gathas são 17 hinos em verso, escritos numa forma arcaica da língua avéstica. São a única parte da literatura zoroastriana que a tradição considera composta pelo próprio Zaratustra. São textos de uma beleza e profundidade assombrosas.
Um exemplo (Gatha Yasna 31.8):
“Aquele que, com o espírito da Verdade,
faz prosperar este mundo com acções de boa mente,
esse segue o teu caminho, ó Mazda,
mesmo que seja o último a conhecê-lo.”
Se quiseres ler mais sobre as fontes primárias da religião iraniana antiga, recomendo o artigo sobre o Império Aqueménida (c. 550-330 a.C.), onde Ciro II e Dario I se proclamam seguidores do Ahura Mazda de Zaratustra.
A Vida de Zaratustra: Lenda e História
A tradição zoroastriana posterior (século IX-X d.C.) criou uma biografia lendária:
- Nasceu em Ragh, riu ao nascer (sinal de eleição divina).
- Aos 7 anos, demónios tentaram matá-lo.
- Aos 15 anos, escolheu a vida ascética.
- Aos 30 anos, teve a primeira visão no rio Daiti: Vohu Manah (Bom Pensamento) apareceu-lhe como um ser gigantesco.
- Durante 10 anos recebeu as 7 revelações de Ahura Mazda.
- Converteu o rei Vishtaspa, que tornou o zoroastrismo religião oficial do reino de Bactria.
Historiadores modernos são cautelosos, mas concordam: Zaratustra foi uma figura histórica real, e o seu ensino transformou a sociedade iraniana antiga.
O Fogo Sagrado e os Rituais Zoroastrianos
O fogo é o símbolo máximo da divindade. Não é adorado (isso seria idolatria), mas mantido como testemunha da presença de Asha (Ordem, Verdade, Justiça).
Os templos de fogo existem até hoje. O mais antigo em funcionamento contínuo está em Yazd, no Irão, desde 470 d.C.
Se já leste o artigo sobre a Civilização Persa (c. 550 a.C.-651 d.C.), reparaste que os reis aqueménidas se consideravam guardiões do fogo sagrado iniciado por Zaratustra.
Influência no Judaísmo, Cristianismo e Islão
- Durante o exílio babilónico (587-538 a.C.), os judeus contactam com o zoroastrismo sob domínio persa.
- Conceitos como paraíso (pairi-daēza = jardim murado), anjos, demónios, juízo final, ponte Chinvat (onde as almas são pesadas), ressurreição dos mortos – tudo tem raízes ou forte influência zoroastriana.
- O próprio termo “magos” vem dos sacerdotes zoroastrianos (magush).
Zaratustra e Nietzsche: O Maior Mal-Entendido da História da Filosofia
Em 1883-1885, Friedrich Nietzsche publica Assim Falou Zaratustra. O livro é genial, mas Nietzsche usa o nome do profeta iraniano de forma quase irónica: o seu Zaratustra anuncia a morte de Deus e o Super-Homem.
“Zaratustra desceu da montanha após dez anos de solidão…”
Nietzsche escolheu o nome porque considerava Zaratustra o primeiro moralista – e, portanto, o único com autoridade moral para superar a moral. Um paradoxo genial, mas que criou confusão durante décadas.
Perguntas Frequentes sobre Zaratustra
Quando exatamente viveu Zaratustra?
A datação tradicional zoroastriana coloca-o cerca de 6000 a.C. (fantasiosa). Linguistas e arqueólogos situam-no entre 1500-1000 a.C., provavelmente por volta de 1200 a.C.
O zoroastrismo ainda existe?
Sim! Cerca de 120 mil parsis na Índia, 20 mil no Irão, e comunidades na diáspora. São uma das comunidades religiosas mais cultas e prósperas do planeta.
Os Três Mandamentos de Zaratustra são reais?
Sim. Nos Gathas:
- Humata (Bons Pensamentos)
- Hukhta (Boas Palavras)
- Hvarshta (Boas Acções)
É a base ética mais simples e poderosa da Antiguidade.
Qual a relação entre Zaratustra e o Natal?
Os Magos que visitam o Menino Jesus (Mateus 2) são sacerdotes zoroastrianos do Império Parta. A tradição de oferecer presentes pode vir daí.
Porque é que quase não se fala dele nas escolas?
Porque o zoroastrismo quase desapareceu após a conquista islâmica do século VII. Mas quem domina a história antiga sabe: sem Zaratustra não haveria monoteísmo ético como o conhecemos.
Zaratustra e Outras Grandes Figuras da Axial Age (século VIII-IV a.C.)
Karl Jaspers cunhou o termo “Era Axial” para o período em que surgem os grandes pensadores:
| Figura | Local | Contribuição |
|---|---|---|
| Zaratustra | Irão | Dualismo ético, livre-arbítrio |
| Confúcio | China | Ética social, harmonia |
| Lao Zi | China | Tao, não-ação |
| Sidarta Gautama | Índia | Quatro Nobres Verdades |
| Profetas de Israel (Isaías, Jeremias) | Judeia | Monoteísmo ético puro |
| Sócrates / Platão | Grécia | Filosofia racional |
Zaratustra é o primeiro da lista cronologicamente.
O Legado Vivo: Da Pérsia Antiga ao Mundo Moderno
Hoje, o zoroastrismo inspira:
- A bandeira da Índia tem a roda de Ashoka, mas os parsis são a comunidade mais rica per capita.
- Freddie Mercury (Farrokh Bulsara) era zoroastriano.
- O lema “Good Thoughts, Good Words, Good Deeds” está em escolas parsis e inspira milhares.
Continua a Tua Jornada
Se este artigo acendeu em ti a chama da curiosidade, não pares aqui:
- Explora a página dedicada ao próprio Zaratustra no canal.
- Mergulha no Império Aqueménida para ver como o zoroastrismo se tornou religião imperial.
- Lê sobre o Império Persa Sassânida (224-651 d.C.), o último grande bastião zoroastriano antes do Islão.
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Porque a história não é apenas o que aconteceu – é a chama que carregamos para iluminar o futuro.
E tu, já escolheste o teu lado na eterna batalha entre Asha e Druj?
Deixa nos comentários: qual foi a ideia de Zaratustra que mais te impactou?
O fogo sagrado continua aceso.
E agora arde também em ti.
“Que a tua chama nunca se apague.”
— Canal Fez História | 2025
















