Da perseguição à conversão: como um fariseu fanático se tornou o maior missionário da história
Paulo de Tarso (c. 5–67 d.C.), também chamado Saulo de Tarso, é sem dúvida uma das figuras mais fascinantes e decisivas de toda a Antiguidade. Sem ele, o cristianismo talvez nunca tivesse saído dos limites da Palestina judaica para se tornar a maior religião do planeta. Nascido cidadão romano em Tarso da Cilícia, educado aos pés de Gamaliel em Jerusalém, perseguidor implacável dos primeiros cristãos e, depois da experiência mística no caminho de Damasco, o “Apóstolo dos Gentios”. Este artigo é uma viagem profunda pela vida, teologia e legado daquele que escreveu cerca de um terço do Novo Testamento.
Quem Foi Saulo Antes de Ser Paulo?
Saulo nasceu numa família judia helenizada da diáspora, da tribo de Benjamim, fariseu zeloso e cidadão romano por nascimento – uma combinação rara e poderosa no século I. Formado na mais rigorosa escola farisaica, ele mesmo declara em Atos 22:3:
“Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado nesta cidade [Jerusalém], instruído aos pés de Gamaliel nas precisas normas da lei de nossos pais, sendo zeloso por Deus, como todos vós o sois no dia de hoje.”
Foi exatamente esse zelo que o levou a perseguir a nascente seita cristã. Ele aprovou o apedrejamento de Estevão (At 7–8) e “respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor” (At 9:1). Se quiser saber mais sobre o contexto do [nascimento do cristianismo (c. 30-100 d.C.)], temos um artigo completo aqui no Canal Fez História.
A Conversão no Caminho de Damasco: O Momento que Mudou Tudo
Por volta do ano 34-36 d.C., Saulo seguia para Damasco com cartas do Sinédrio para prender cristãos quando aconteceu o evento que divide a sua vida em duas metades irreconciliáveis:
“De repente, uma luz do céu brilhou ao redor dele. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? A voz respondeu: Eu sou Jesus, a quem tu persegues.” (Atos 9:3-5)
Cego durante três dias, foi curado por Ananias e batizado. A partir daí, Saulo torna-se Paulo – o nome grego que usará entre os gentios – e passa a pregar exatamente aquilo que antes destruía.
As Três Grandes Viagens Missionárias
Primeira Viagem (c. 46-48 d.C.) – Chipre e Ásia Menor
Com Barnabé e João Marcos, Paulo funda comunidades em Chipre, Perge, Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe. É apedrejado em Listra e quase morto.
Segunda Viagem (c. 49-52 d.C.) – Europa!
Atravessa o Egeu após a visão do “varão macedônio” e funda igrejas em Filipos, Tessalônica, Bereia, Atenas e Corinto. Em Atenas pronuncia o famoso discurso no Areópago. Fica 18 meses em Corinto, onde escreve 1 Tessalonicenses – a carta mais antiga do Novo Testamento.
Terceira Viagem (c. 53-57 d.C.) – Consolidação
Foco especial em Éfeso (quase 3 anos), onde ocorre a famosa queima pública de livros de magia. Passa ainda por Macedônia e Grécia. Em Trôade ressuscita o jovem Êutico que adormeceu e caiu da janela durante o seu sermão (At 20:7-12).
Se quiser ver o mapa completo dessas viagens, recomendo o vídeo que postamos no nosso YouTube @canalfezhistoria com animações detalhadas.
O Concílio de Jerusalém (c. 49 d.C.): A Grande Virada Teológica
O momento-chave do cristianismo primitivo. Alguns judeus-cristãos exigiam que os gentios convertidos se circuncidassem e guardassem toda a Lei de Moisés. Paulo e Barnabé sobem a Jerusalém para resolver a questão com Pedro, Tiago e os demais apóstolos. O resultado? A histórica decisão:
“Não devemos perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus” (At 15:19)
A salvação vem somente pela fé em Cristo, não pelas obras da Lei. Nasce o cristianismo universal. Leia mais sobre esse contexto no artigo [O nascimento do cristianismo].
As Cartas Paulinas: A Teologia que Moldou o Ocidente
Paulo escreveu 13 (ou 14, se incluirmos Hebreus) das 27 cartas do Novo Testamento:
- Romanos – o tratado teológico mais denso da Bíblia
- 1 e 2 Coríntios – correção de abusos e defesa do apostolado
- Gálatas – “Pela graça sois salvos, por meio da fé” (cf. Gl 2:16)
- Efésios, Filipenses, Colossenses – as “cartas do cativeiro”
- 1 e 2 Tessalonicenses – escatologia e o retorno de Cristo
- 1 e 2 Timóteo, Tito – as “pastorais”
- Filemom – uma joia sobre perdão e fraternidade
A doutrina da justificação somente pela fé, a teologia do corpo de Cristo como Igreja, a igualdade radical entre judeus e gregos, escravos e livres, homens e mulheres em Cristo (Gl 3:28) – tudo isso nasce com Paulo.
Prisão e Martírio em Roma
Preso em Jerusalém (c. 57), transferido para Cesareia, apela para César por ser cidadão romano. Naufrágio em Malta, chegada a Roma (c. 60-62). Provavelmente solto, faz nova viagem missionária (talvez até a Espanha), é preso novamente sob Nero e decapitado (tradição) entre 64-67 d.C. na Via Ostiense.
Legado: Por Que Paulo de Tarso Muda Tudo?
- Transformou uma seita judaica messiânica numa religião universal
- Criou a teologia sistemática cristã
- Definiu a relação Igreja-Estado (Romanos 13)
- Influenciou profundamente [Agostinho de Hipona], [Martinho Lutero], [João Calvino], [Karl Barth] e até pensadores laicos como Nietzsche (“o cristianismo é platonismo para o povo”) e Freud
- A sua visão de graça radical ainda divide igrejas até hoje
Perguntas Frequentes Sobre Paulo de Tarso
Paulo realmente escreveu todas as 13 cartas que lhe são atribuídas?
A maioria dos estudiosos aceita como autênticas: Romanos, 1-2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemom. As pastorais (1-2 Timóteo e Tito) e Efésios/Colossenses são debatidas.
Paulo conheceu Jesus pessoalmente?
Não o Jesus histórico. A sua experiência foi mística, no caminho de Damasco e em revelações posteriores (2 Cor 12).
Por que Paulo brigou com Pedro em Antioquia?
Porque Pedro, com medo dos judaizantes, separou-se dos cristãos gentios na mesa. Paulo o enfrentou cara a cara (Gl 2:11-14).
Paulo era misógino?
Passagens como 1 Cor 14:34-35 e 1 Tm 2:11-12 são difíceis, mas em outras ele exalta mulheres líderes: Febe (diaconisa), Júnia (apóstola), Prisca (que ensinou Apolo). Contexto cultural e disputas posteriores de autoria complicam a questão.
O que Paulo teria achado do cristianismo atual?
Difícil saber, mas ele ficaria horrorizado com cruzadas, inquisição e com muito do que se faz em nome de Cristo – e encantado com a expansão global da mensagem que ele levou aos confins do mundo conhecido.
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- Leia a biografia completa no nosso artigo dedicado: [Paulo de Tarso]
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E se quiser continuar a viagem pela história do cristianismo primitivo, não deixe de ler também:
- [Jesus]
- [Constantino]
- [A Grande Cisma – 1054]
- [Reforma Protestante e Contrarreforma – 1517]
- [Agostinho de Hipona]
- [Martinho Lutero]
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