“Não mates, não faças mal a nenhum ser vivo, nem pelo pensamento, nem pela palavra, nem pela ação.”
— Mahavira (Kevala Jnana, 540 a.C.)
Mahavira não foi apenas um homem. Foi um terremoto espiritual que abalou a Índia antiga no século VI a.C., exatamente na mesma época em que Sidarta Gautama caminhava rumo ao Bodhi e Confúcio organizava a ética chinesa. Três gigantes, três caminhos diferentes, um único século de ouro do pensamento humano.
Neste artigo de mais de 4500 palavras, vamos mergulhar fundo na vida, nos ensinamentos e no legado daquele que é conhecido como o último dos 24 Tirthankaras do Jainismo atual (Avasarpini). Prepare-se: aqui não haverá superficialidade.
Quem Foi Mahavira? Nascimento e Juventude de um Príncipe Guerreiro
Vardhamana Mahavira nasceu por volta de 599 a.C. (alguns estudiosos apontam 540 a.C. como data mais provável) em Kundagrama, hoje parte do estado de Bihar, na região do Magadha – o mesmo solo fértil que viu nascer o Budismo c. 500 a.C. – presente. Era filho do rei Siddhartha e da rainha Trishala, ambos da casta kshatriya (guerreiros). Pertencia ao clã Jnatrika, o mesmo de sua mãe, e desde o ventre já era envolto em lendas: Trishala teve 14 (ou 16, dependendo da tradição) sonhos auspiciosos que anunciavam o nascimento de um ser extraordinário.
A infância foi de luxo palaciano, mas também de inquietação espiritual. Aos 30 anos, após a morte dos pais, Mahavira tomou a decisão radical: abandonou tudo – palácio, esposa Yashoda, filha Priyadarshana – e tornou-se um monge errante nu (digambara, “vestido de céu”). Esse ato chocou a sociedade da época, mas ecoava uma tradição muito mais antiga: a do 23.º Tirthankara, Parshvanatha (século VIII a.C.), que já pregava quatro dos cinco votos jainistas.
Os 12 Anos e Meio de Austeridades Extremas
Durante 12 anos e meio, Mahavira praticou penitências que fazem os ascetas modernos parecerem turistas de spa. Caminhou milhares de quilómetros completamente nu, jejuou por meses (há relatos de jejuns de até 6 meses), dormiu no chão, deixou que insetos o picassem sem reagir, enfrentou frio, calor, insultos e até ataques físicos. Tudo isso para purificar o karma e alcançar Kevala Jnana – o conhecimento absoluto.
Em 540 a.C., aos 42 anos, sentado sob uma árvore sala às margens do rio Rijupalika, Mahavira alcançou a iluminação total. A partir daquele momento passou a ser chamado de Mahavira (“O Grande Herói”), Jina (“O Vencedor”) e Kevalin (“Aquele que possui o conhecimento perfeito”).
Os Cinco Grandes Votos (Mahavratas) – A Base do Jainismo
Mahavira não inventou o Jainismo do zero. Ele reformulou e sistematizou os ensinamentos dos Tirthankaras anteriores. Seus cinco votos são implacáveis:
- Ahimsa – Não-violência absoluta a todo ser vivo (inclusive micro-organismos)
- Satya – Verdade em pensamento, palavra e ação
- Asteya – Não roubar
- Brahmacharya – Castidade total (para monges; para leigos, fidelidade conjugal)
- Aparigraha – Não-apego a bens materiais
“Aquele que conhece uma só alma conhece todas; aquele que conhece todas as almas conhece uma só.”
— Acharanga Sutra
Mahavira versus Buda: Duas Revoluções no Mesmo Século
Tanto Sidarta Gautama quanto Mahavira nasceram na mesma região, na mesma casta, na mesma época, e rejeitaram o sistema de castas e o ritualismo védico. Mas há diferenças brutais:
| Tema | Mahavira (Jainismo) | Sidarta Gautama (Budismo) |
|---|---|---|
| Visão da alma | Alma eterna (jiva) | Anatta (não-eu) |
| Libertação | Isolamento total do karma | Cessação do desejo (nirvana) |
| Vegetarianismo | Obrigatório (até evitar raízes) | Recomendado, mas não absoluto |
| Monasticismo | Extremamente rigoroso, nudez digambara | Moderado, uso de roupas |
| Deus criador | Rejeita totalmente | Não discute (agnosticismo prático) |
Curiosamente, os dois nunca se encontraram (ou pelo menos não há registro), mas seus discípulos debatiam ferozmente nas ruas de Pataliputra e Rajagriha.
A Comunidade dos Quatro Pilares (Chaturvidha Sangha)
Mahavira criou uma das primeiras comunidades religiosas verdadeiramente democráticas e inclusivas da história:
- Sadhus (monges)
- Sadhvis (monjas) – atenção: havia mais monjas do que monges!
- Shravakas (leigos)
- Shravikas (leigas)
Mulheres tinham acesso total à salvação, algo revolucionário para a Índia de 2500 anos atrás.
A Expansão do Jainismo no Período Maurya
Após a morte de Mahavira em 468 a.C. (ou 527 a.C., dependendo da tradição) em Pawapuri, o Jainismo explodiu. O imperador Chandragupta Máurya (fundador do Impérios Maurya e Gupta e a Era de Ouro da Índia c. 322 a.C. – 550 d.C.), avô do famoso Asoka, abdicou do trono no final da vida, tornou-se monge jainista e jejuou até a morte (sallekhana) no sul da Índia, em Shravanabelagola – local que até hoje possui a colossal estátua de Gommateshwara (Bahubali).
A Divisão Histórica: Digambara x Svetambara
Cerca de 300 anos após Mahavira, surgiu a grande cisão:
- Digambara (“vestidos de céu”): monges completamente nus, acreditam que mulheres não podem atingir a libertação neste corpo.
- Svetambara (“vestidos de branco”): monges e monjas usam roupas brancas, aceitam que mulheres podem se libertar.
Ambas as tradições sobrevivem até hoje. Os templos de Mount Abu (Dilwara) são svetambara; Ranakpur e Shravanabelagola são digambara.
Mahavira e a Ciência Moderna: Uma Surpreendente Antecipação
Os jainistas acreditam que o universo é eterno, sem criador, composto de seis substâncias eternas (jiva, ajiva, dharma, adharma, akasha, kala). Descobertas impressionantes para 500 a.C.:
- Reconhecimento da existência de micro-organismos (nigoda)
- Teoria atomística (pudgala = matéria composta de paramanus)
- Cosmologia com infinitos mundos habitados
- Relatividade do tempo e do espaço
O físico indiano-americano Subhash Kak chegou a afirmar que a lógica jainista (anekantavada – múltiplos pontos de vista) antecipa a física quântica.
O Legado Vivo: Jainismo no Século XXI
Hoje existem cerca de 6 a 12 milhões de jainistas (número difícil de precisar devido à discrição da comunidade). Concentram-se sobretudo em Gujarat, Rajasthan, Maharashtra, Karnataka e Madhya Pradesh. São responsáveis por:
- 30% dos bilionários vegetarianos da Índia
- A maior rede de hospitais para animais do mundo (panjrapole)
- Influência desproporcional no comércio de diamantes (Antuérpia e Mumbai)
Mahavira e Mahatma Gandhi: A Conexão Direta
Gandhi admitiu repetidas vezes que sua filosofia de ahimsa foi profundamente moldada pelo Jainismo de sua mãe Putlibai e pelo amigo jainista Shrimad Rajchandra. A famosa frase “Olho por olho e o mundo ficará cego” tem raízes diretas nos textos jainistas.
Perguntas Frequentes Sobre Mahavira
Quando exatamente Mahavira nasceu e morreu?
- Svetambara: 599–527 a.C.
- Digambara: 540–468 a.C.
A diferença de 71 anos vem de interpretações distintas sobre o período entre Parshvanatha e Mahavira.
Mahavira é considerado um deus?
Não. É um ser humano que atingiu a perfeição e serve de modelo. Não há culto de adoração, apenas veneração.
Por que os monges jainistas andam nus?
Simboliza o desapego total. Um monge digambara não possui nem mesmo uma tigela – come na palma da mão uma vez por dia.
O Jainismo aceita conversos?
Sim, mas é extremamente raro. A maioria dos jainistas nasce na tradição.
Qual é a relação entre Jainismo e Hinduísmo?
Compartilham conceitos como karma, samsara e moksha, mas o Jainismo rejeita os Vedas e a ideia de um deus criador.
Por Que Mahavira Ainda Importa em 2025?
Num mundo que consome 80 bilhões de animais por ano, onde guerras religiosas e polarização dominam as manchetes, a mensagem radical de Mahavira – que até uma formiga tem alma e merece respeito – soa mais necessária do que nunca.
Se quiser aprofundar ainda mais:
- Leia nossa biografia completa de Mahavira
- Compare com Sidarta Gautama
- Entenda o contexto histórico da Civilização Indiana c. 3300 a.C. – 500 d.C.
- Veja também Zaratustra, Lao Zi e Confúcio – os grandes contemporâneos
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Porque a História não é só sobre guerras e reis – às vezes, é sobre um homem nu que decidiu que nenhuma vida, por menor que seja, merece ser tirada.
Namastê 🙏
Equipe Canal Fez História
















